Descrição de chapéu Cinema

Por que 'Border', longa com sexo monstruoso, é o filme mais esquisito do ano

Premiado em Cannes, longa de Ali Abbasi fala de mulher com rosto deformado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cena do filme 'Border', de Ali Abbasi

Cena do filme 'Border', de Ali Abbasi Divulgação

São Paulo

Desde que estreou fazendo barulho no último Festival de Cannes, “Border” ganhou título de filme mais esquisito do ano, causou alvoroço por causa de uma cena de sexo monstruoso, foi indicado ao Oscar e acabou alçado ao status de tradutor do zeitgeist, o espírito do tempo. 

Alguns detalhes explicam o falatório, que acabou rendendo à obra o prêmio de melhor longa da seção Um Certo Olhar, da mostra francesa. 

Para começar, porque o cineasta Ali Abbasi se esbalda em cenas que são puro asco. Não faltam insetos pegajosos, unhas sujas, roupas engorduradas, restos de macarrão ao molho de tomate. Ser um filme noir com humor escandinavo incrementa o exotismo.

A ojeriza, que o diretor usa para provocar o espectador, fica ainda mais clara na protagonista, Tina, vivida sob pesada maquiagem por Eva Melander. Ela tem um rosto que parece deformado, sinais de pelo na cara e dentes pontudos.

Tina tem também um faro sobre-humano. Fiscal de alfândega num porto sueco, ela é capaz de farejar a vergonha, a culpa e a raiva nas pessoas que cruzam a imigração Numa de suas rondas, topa com um sujeito que tem a cara tão disforme quanto a dela, chave para que a personagem tenha algumas pistas sobre a sua própria identidade. 

Como adianta o título —fronteira, em inglês—, esse é um filme sobre limites borrados, não só o geográfico, mas entre gêneros cinematográficos, entre o humano e o selvagem, o masculino e o feminino, a revolta e a conciliação.

Algo extasiada, a crítica europeia viu na obra uma analogia sobre a crise migratória. Tina se sente deslocada naquele universo em que todos são diferentes dela. Também é possível ver na história acenos à questões identitárias, ainda que a direção nunca enverede pelo panfletário.  

“Estamos no auge do debate sobre identidade”, diz Abbasi. “No papel, sou um homem heterossexual do Oriente Médio, mas me identifico mais com a classe dos intelectuais das grandes cidades do que com os 80 milhões de iranianos.”

Nascido em Teerã, criado em Estocolmo e hoje morando em Copenhague, o cineasta  de 38 anos afirma que ser um “outsider” pode ter lapidado a sua visão, mas que não é necessário ser imigrante para  se conectar às questões de Tina.

“A diferença é que, por ser estrangeiro, consigo detectar alguns mecanismos com mais facilidade. Só que esse é mais um filme sobre a experiência geral de se sentir solitário e apartado do que outra coisa”.

Experiência que, em seu extremo, pode ou não estar na gênese do terrorismo, como argumenta o diretor. O tema, aliás, dá as caras na narrativa.

“Por que aqueles caras explodem a si mesmos? Por virem de ambientes violentos ou por serem vítimas? Talvez por nenhuma razão, mas é instigante pensar nessas questões na área da dramaturgia.”

É difícil entrar em detalhes da trama sem dar spoilers. A narrativa, repleta de reviravoltas, é inspirada num conto do sueco John Ajvide Lindqvist, autor do romance que virou o terror cult “Deixe Ela Entrar”.

Mas dá para adiantar que a tal cena de sexo no meio da floresta, tão gráfica e tão comentada em Cannes, é o momento de revelação para Tina. O pós-transa, com um nado no lago em meio à garoa, é algo entre o sublime e o grotesco.

“Não sabia que ela causaria todo esse falatório quando rodamos, só sabia que não podia ser bela, com metáforas de pôr do sol”, conta Abbasi. “Me pus no lugar dos personagens. Se eu fosse eles, certamente, não faria sexo no sofá.”

O amor-revelação que brota na protagonista é uma das muitas inflexões de gênero do filme, que por vezes incorre no thriller e no fantástico com pé na mitologia nórdica. 

O diretor, contudo, se diz mais próximo do realismo mágico dos latino-americanos García Márquez e Carlos Fuentes do que de fantasias anglo-saxônicas como “Senhor dos Anéis” ou “Harry Potter”. 

“Sou cético demais”, afirma. “Não gosto muito de mundos apartados, gosto mais do absurdo enraizado no cotidiano.”

Absurdo mesmo, ele crê sem nenhuma modéstia, foi o fato de seu “Border” ter perdido o Oscar de melhor maquiagem para a sátira política “Vice”. 

“É uma categoria técnica, não está aberta a interpretações. Vi as coisas que botaram em Christian Bale para engordá-lo. Não eram tão boas.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.