Esta edição do festival É Tudo Verdade tem entre os seus homenageados o cineasta Nelson Pereira dos Santos, que morreu no ano passado, aos 89 anos.
A produção documental do diretor paulista não está à altura das suas obras de ficção. Nelson alcançou seus melhores momentos em títulos ficcionais, como “Vidas Secas” (1963), “Tenda dos Milagres” (1977) e “Memórias do Cárcere” (1984). Ainda assim, os documentários expõem o rigor e a inteligência de um criador de filmes que ajudam a compreender o Brasil.
O festival exibe duas séries que Nelson preparou sobre clássicos das ciências sociais do país, “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre (1900-1987), e “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Nos dois casos, os filmes intercalam narrativas biográficas e comentários da obra que consagrou os autores.
Com quatro episódios, produzidos para a TV em 2000, a série sobre Freyre começa com a trajetória do sociólogo pernambucano que, nas suas palavras, se incumbiu da tarefa de “redescobrir o Brasil”.
O documentário vai a Nova York, nos EUA, e a Coimbra, em Portugal, para mostrar como a formação de Freyre fora do país contribuiu para as reflexões dele sobre a constituição da sociedade brasileira.
Quem conduz o filme é o professor e escritor Edson Nery da Fonseca, recifense como Freyre. É ele também quem apresenta os episódios seguintes, dedicados ao português, ao índio e ao negro.
Há um empenho de Nelson para que a série não soe como aula, por isso o diretor estruturou os episódios em conversas de Fonseca com jovens atrizes. O professor exibe conhecimento e algum carisma, mas as atrizes são limitadas demais, o que impõe um tom artificial ao que deveria soar como um bate-papo.
De qualquer modo, os episódios são uma boa introdução ao universo de Gilberto Freyre.
Mais interessante é a abordagem da vida e da produção intelectual de Sérgio Buarque de Holanda. Nelson parece bem mais à vontade nesses dois filmes lançados em 2003.
O primeiro episódio é um retrato afetivo. Sérgio surge como um mosaico de delicadezas, preenchido pelas lembranças da viúva Maria Amélia e dos sete filhos. “Era um erudito inclinado à molecagem”, recorda-se Antonio Candido, professor da USP assim como o amigo historiador.
Chico Buarque, o quarto filho, conta que começou a escrever para que pudesse ser “admitido no escritório do pai” na casa da rua Buri, em São Paulo, onde havia uma enorme e confusa biblioteca. E claro que a trilha sonora com músicas de Chico reforçam a beleza da produção.
Baseado em uma fórmula convencional, a descrição da carreira ano a ano, o segundo episódio é menos atraente. Vale, sobretudo, pelas leituras de trechos de “Raízes do Brasil” por Silvia Buarque de Holanda, atriz e neta de Sérgio, e, mais uma vez, pelos comentários de Antonio Candido.
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