Descrição de chapéu Artes Cênicas

Gregorio Duvivier estreia peça que une mitologia ao Brasil dos memes

Monólogo 'Sísifo' é uma parceria com Vinicius Calderoni, também diretor

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Curitiba

O Brasil contemporâneo, no qual a turbulência política tomou de assalto as discussões virtuais, talvez pudesse ser comparado a um meme.

"É um país aprisionado em gifs, frases feitas. 'Bandido bom é bandido morto', 'vai pra Cuba!', 'fora, Temer!'. As pessoas ficam presas em frases curtas, memetizáveis", resume Gregorio Duvivier.

O ator e escritor também está preso, de certo modo. Atado a um ciclo de repetições contínuas que estruturam a narrativa de "Sísifo", monólogo que faz sua pré-estreia neste fim de semana no Festival de Teatro de Curitiba e deve iniciar uma temporada em São Paulo em junho.

O mito grego —do mortal que tem por castigo carregar uma pedra até o topo de uma montanha só para vê-la rolar ladeira abaixo e começar tudo outra vez, num ciclo contínuo— é o mote do espetáculo, escrito por Duvivier e Vinicius Calderoni, que também assina a direção.

"O gif fundador da mitologia histórica é Sísifo, essa ideia de repetição, do eterno retorno", diz Calderoni. "E logo a gente percebeu como isso dava combustível pra falar de um momento histórico de Brasil, da sensação do eterno retorno e de pessoas como zumbis, como se fossem gifs animados humanos. E de um momento em que partidos políticos estão criando departamento de memes, isso virou quase uma política de Estado. O presidente [Jair Bolsonaro] até governa via Twitter."

De certo modo, continua Duvivier, "a pedra rolando é como as barragens que se rompem [caso de Mariana e Brumadinho], da nossa história que é sempre queimada, como o Museu Nacional [destruído num incêndio no ano passado], de um país que está o tempo inteiro rolando a pedra ladeira abaixo. De um ciclo de devastação".

Mas o mito não surge explícito. Parte de uma espécie de exercício de estilo, trabalhado em 60 cenas curtas. A cada uma, Duvivier repete um mesmo percurso, subindo uma rampa sobre o palco e saltando dela ao fim do ciclo. O que muda é o que faz e diz nesse trajeto. Vai de situações coloquiais, como uma conversa numa festa, a divagações filosóficas (caso de uma garota que decidiu fazer brigadeiros para ter algum sentido na vida) e gags estritamente físicos, sem palavras.

Os próprios memes aparecem pincelados aqui e ali, mas não são necessariamente tema das cenas. Surgem mais na ideia de repetição e desse personagem preso a um ciclo vicioso, como o Brasil.

Duvivier e Calderoni (autor de peças como "Ãrrã" e "Os Arqueólogos") encontraram sintonia numa linguagem fragmentada e coloquial, ainda que bastante metrificada.

A transição de uma situação a outra é feita em cortes secos, tanto na temática quanto no estilo de interpretação. Há também uma desconexão entre o que o ator diz e o que expressa verbalmente.

Ao longo da apresentação, Duvivier vai sendo tomado pelo cansaço de subir e descer a rampa continuamente, fica ofegante, desgastado. "É algo entre o teatro e o triathlon", brinca o ator. Mas é também um reflexo da exaustão do discurso, já tão banalizado.

Ainda assim, há um certo ar de esperança. A dupla remete à leitura de Albert Camus do mito grego. Para o filósofo argelino, a pedra é como o absurdo do mundo, e Sísifo, um homem em busca do sentido da vida. "Camus fala em abraçar a pedra, procurar a vida dentro do absurdo, não sucumbir", afirma o diretor.

"De certo modo, a rampa é o mundo em si mesmo, um trajeto que a gente precisa seguir. Não se chega a um lugar sem passar por outros, não se chegará a um novo Brasil sem passar por um Brasil distópico."

Sísifo

Teatro da Reitoria, r. 15 de Novembro, 1.299, Curitiba. Sáb. (6), às 21h, dom. (7), às 19h. Ingr.: R$ 70. 18 anos

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