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Cinema

'Los Silencios' recusa clareza absoluta em mundo desconhecido

Beatriz Seigner nos remete à região amazônica em longa de grande rigor e beleza

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Cena de 'Los Silencios'

Cena de 'Los Silencios', de Beatriz Seigner Divulgação

Los Silencios

  • Quando Estreia nesta quinta (11)
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Marleyda Soto, Enrique Diaz, María Paula Tabares Peña
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Beatriz Seigner

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Beatriz Seigner entrou para o mundo do longa-metragem de modo original: no peito e na raça levou um grupo de três atrizes para a Índia, para experimentar o “Bollywood Dream”. Então (2010), Bollywood estava sendo descoberta no Ocidente, era uma espécie de moda.

Mas o propósito do filme, sob a aparência da busca de um atalho na carreira de atriz, estava distante dele. Tratava-se, já, de buscar mundos desconhecidos, de explorá-los, de revelá-los. Uma premissa do cinema tão antiga quanto os irmãos Lumière.

Em “Los Silencios” o propósito é o mesmo, ainda que desta vez com produção mais alentada, mais segurança. Entre 2010 e 2018, a diretora obviamente amadureceu. Desta vez ela nos remete a uma estranha região amazônica, fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. O local é uma ilha.

O que acontece ali? Existem tentativas de grandes companhias de comprar o local. Existem, também, contas a ser resolvidas entre os habitantes (inclusive a protagonista e sua família) com mortes ocorridas em um lugar de trabalho próximo, a existência de guerrilha na região.

Tudo isso é envolto pelo silêncio. Ele se manifesta de diversas formas: existe o momento tenso em que o menino, filho de Amparo, de repente aparece com a arma que pertenceu ao pai. Existem os vizinhos que não se entendem sobre que atitude tomar sobre as propostas para a venda das casas (embora a maioria não deseje sair do lugar). Existe a nebulosa questão envolvendo esse lugar de três fronteiras, que recebe refugiados, mas que na verdade é uma espécie de não-lugar.

A partir disso podemos observar o que permanece e o que se transformou no trajeto e no pensamento de Seigner entre seu primeiro filme e este segundo. Em “Bollywood”, o filme prometia nos introduzir a um mundo desconhecido:a Índia, seu modo de produção cinematográfica, o próprio país. Suas heroínas, no entanto, conheceram tanto da Índia (e de Bollywood) quanto um turista curioso.

O filme nos dava a impressão de desvendar a Índia, mas suas culturas diversas, tudo tornavam o esforço um tanto inútil. Como num filme de Lumière, as moças podiam andar de charrete pela cidade, fazer amizade com o hoteleiro ou mesmo entrar como figurantes em um filme. A Índia revelava-se apenas no enorme mistério que representa ainda hoje para nós do Ocidente.

Em “Los Silencios” chegamos mais perto, o que faz com que o desconhecido se adense. Quantos de nós conhecem de fato a região amazônica? O estranho terreno em que se erguem aquelas casas, que um dia está seco e no outro, por efeito das chuvas, parece um rio.

 

Mas o filme não é um documento antropológico. Amparo talvez não tenha esse nome por acaso. Ela precisa proteger os filhos, órfãos de pai. O fantasma desse homem, Adão, irrompe sem nenhuma cerimônia (no que lembra um filme de Apichatpong Weeresethakul). Ora é figura tutelar, ora amorosa, ou mesmo ameaçadora (seu passado de guerrilheiro é uma ameaça).

Ao mesmo tempo, Amparo se empenha com advogados para obter uma indenização “da companhia” (qual companhia? Afinal ele era guerrilheiro ou não? Onde esses dois perfis se encontram?). Certo: o negócio que os advogados propõem a Amparo não é dos mais satisfatórios (para ela).

Em outras palavras, “Los Silencios” recusa a clareza absoluta, como se a nos dizer que o mundo é mesmo opaco, que a certeza do turista nada mais é que ilusão, que o universo se faz de leis desconhecidas, talvez inexistentes, ao mesmo tempo em que convive com problemas materiais e angústias imediatos. Amparo e sua prole são tão turistas neste mundo quanto nós.

Esse filme de grande rigor e beleza inscreve Beatriz Seigner nesta formidável geração de realizadores (estranhamente ignorada em seu próprio país: podemos explicar o fato de várias formas —continuará de todo modo um mistério).

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