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No Coachella, Kanye West transforma culto gospel em espetáculo pop

Apresentação do Sunday Service aconteceu no domingo de Páscoa

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São Paulo

Kanye West levou dezenas de instrumentistas e amigos ilustres para o topo de uma montanha no domingo de Páscoa. A apresentação, com cara de culto e influência da música gospel, reuniu mais de 50 mil pessoas em Indio, cidade da Califórnia onde ocorre o festival Coachella.

Mesmo distante das celebrações brasileiras no feriado religioso, o show, primeira edição pública do que ele chama de Sunday Service, ou culto dominical, foi um dos assuntos mais comentados no mundo. A apresentação, transmitida pelo YouTube em duas sessões ao longo do dia, também reuniu alguns dos maiores nomes do Instagram.

Kanye West durante o show-culto Sunday Service na edição de 2019 do festival americano Coachella - Rozette Rago/The New York Times

Só a mulher do rapper, Kim Kardashian West, tem 135 milhões de seguidores. A brasileira Bruna Marquezine, também presente, fez vídeos para seu séquito de 35 milhões de fãs.

Até a estética da transmissão —do tipo câmera pinhole, com bordas pretas e imagens centralizadas em um círculo— virou motivo de discussão na internet, assim como as meias (US$ 50) e moletons (entre US$ 165 e US$ 225) vendidos como “roupas de igreja” pelo rapper.

Outro atrevimento conceitual de Kanye West foi o cenário. Os músicos, em cima de um morro, sem palco ou telão, ficaram em círculos, muitas vezes de costas para a plateia. Os integrantes do coral dançaram livremente e chegaram a se misturar com o público em diversos momentos.

Apesar de coincidir com o lançamento de “Homecoming”, filme sobre a apresentação histórica que Beyoncé fez no mesmo festival, em 2018, o Sunday Service existe desde o início do ano. O projeto acontece aos domingos, na forma de encontros privados em locais próximos à mansão dos West, na Califórnia.

 

Os eventos eram conhecidos basicamente por meio dos vídeos curtos publicados por Kardashian, além dos áudios de gravações piratas que circulam na internet. Como é comum nos projetos que envolvem Kanye West, o tal Sunday Service surgiu rodeado de mistérios. Não se sabe se as sessões vão gerar um disco (o já anunciado e adiado “Yandhi”), filme ou outra obra. Se ficar limitado às horas de show-culto no Coachella, o evento já tem peso histórico para a música pop.

West é um dos artistas mais polêmicos deste século. Já se pôs na posição de Jesus Cristo tanto na capa da revista americana Rolling Stone quanto no seu disco de 2013, “Yeezus” (Ye é como ele se apelida).
O rapper e produtor, contudo, também é conhecido por explorar a música gospel.

Ele já reuniu samples de vozes da canção religiosa americana na poderosa “Jesus Walks” (2004). Também usou o cancioneiro gospel para “Father I Stretch My Hands” (2016), com sample do pastor T. L. Barrett.

Mas a grande obra dele nesse espectro é “Ultralight Beam”, com versos do pupilo e conterrâneo de West, Chance the Rapper, um dos escalados para o Coachella. Além dele, o clima familiar era completado pelos rappers amigos Kid Cudi e Ty Dolla $ign, a cantora Teyana Taylor e, claro, a família (incluindo as filhas) do dono da festa.

Quase sem rimar, Kanye West dominou a cena como um maestro. A sensação era a de que, em vez de trechos de discos antigos, ele estava manipulando as vozes das pessoas do coro, com toda a megalomania que isso representa. De certa forma, foi o oposto da figura pop tradicional de artista-performer tecnicamente impecável —consagrada por Prince e Michael Jackson— de Beyoncé em “Homecoming”.

Durante o show, West chorou após um sermão e foi amparado pelo parceiro Kid Cudi. A cena foi uma demonstração de fraqueza de uma figura firme como o rapper, logo depois de um 2018 particularmente conturbado para ele (entre outras ações, declarou apoio a Donald Trump e sugeriu que a escravidão nos Estados Unidos foi “uma escolha”).

Historicamente, a música gospel está relacionada à autoestima e ao senso de poder e união de comunidades negras —temas recorrentes no hip-hop. West emocionou no Coachella não por encampar o tradicionalismo religioso, mas por resgatar na música a catarse do sentimento quase universal de fé (que pode ser aplicada a qualquer crença).

Tanto pela extravagância quanto pelo carisma das filhas —já íntimas das câmeras—, West conseguiu transformar uma expressão artística tida como carola e ultrapassada em 
imagem pop, pronta para o YouTube, Twitter e Instagram.

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