Deborah Colker mergulhou na música e nos movimentos de 40 anos atrás para erguer cenas que são verdadeiras sagrações da cultura popular. Mas para um momento no país e no mundo que seu objeto, os poucos meses de vida da discoteca Dancin' Days, na zona sul do Rio, só com muita boa vontade conseguiria refletir.
O maior obstáculo para que o musical "O Frenético Dancin' Days" consiga fluir como teatro é a necessidade recorrente de justificar, dar algum sentido a um projeto que era essencialmente comercial —e cujos deslizes éticos são expostos sem aparente consciência, constrangedoramente para o público.
O que importa são os quadros criados por Colker. É sua estreia no teatro musical propriamente dito, e a diretora traz um arsenal de experiência e vigor que mostra potencial para levar o gênero muito além do que se conseguiu até hoje no país, em coreografia. O atletismo-ostentação, quando aparece, funciona muito bem no teatro.
A performance de Natasha Jascalevich como Bárbara ou, melhor, como uma incorporação daquele momento no país e no mundo é talvez o principal manifesto artístico-político no palco. É aparentemente delicada, mas se torna uma gigante que parece arriscar a própria vida para cenas em que a sua força se equipara à sua fragilidade.
Jascalevich canta, dança, interpreta, sobre um globo gigantesco ou sobre totens, num acúmulo que acaba falando da mulher e da obra de Colker por si só, por seus movimentos, independente de palavras. Está no limite do circo, que Colker traz dos tempos de Intrépida Trupe. E Jascalevich não está sozinha.
Os cantores-bailarinos, tanto homens como mulheres, respondem, nos seus personagens e na linha de coro, pelas passagens de maior frenesi. Para citar um dentre vários, o concurso de dança, como em tantos vídeos dos anos 1970 sampleados e celebrizados online, mesclam provocação, humor e graça.
As cenas mais voltadas a movimento e menos a diálogo trazem para a boca de cena bailarinos como Romulo Vlad e Elio Barbe, para separar dois nomes do grupo inteiro que tanto impressiona. São quadros que arrebatam, lembrando aqueles, também musicais, que pontuam a série "Babylon Berlin", para fazer um paralelo contemporâneo.
Embora parta de canções da época e de uma história datada, para dizer o menos, o que se vê é inusitadamente atual, nos 23 artistas intrépidos (destemidos) que se alternam desvairadamente no palco. Passam por cima e fazem esquecer os tropeços de andamento, a ausência de uma estrutura de ação dramática.
Sem fio narrativo claro e com tempo para preencher, Colker parece dar-se liberdade para tratar do próprio gênero musical. Do nada, uma personagem inventada sob medida para Débora Reis, parte dela para uma releitura muito própria e deliciosa das coreografias de Bob Fosse em "Sweet Charity" e de Jerome Robbins em "West Side Story".
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