Descrição de chapéu The New York Times

Qatar investe em arte para aumentar sua influência no exterior

Sob bloqueio de vizinhos, país usa 'soft power' para assegurar manutenção de independência

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A modelo Naomi Campbell na inauguração do Museu Nacional do Qatar, no fim de março

A modelo Naomi Campbell na inauguração do Museu Nacional do Qatar, no fim de março Patrick Baz/AFP

Elizabeth Paton
Doha | The New York Times

Victoria Beckham veio de Londres. Diane von Furstenberg e Alexander Wang, de Nova York. Pierpaolo Piccioli, da Valentino, veio de Roma, e Olivier Rousteing, da Balmain, e Giambattista Valli vieram de Paris. Assim como Carla Bruni, que chegou com o marido, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, a tiracolo.

Eles são parte do panteão da moda e visitaram Doha, capital do Qatar, no fim de março, para a cerimônia inaugural do prêmio do fundo Fashion Trust Arabia que também envolveu figuras locais. 

Essa chegada em massa, a convite da família reinante do emirado, os Al Thanis, serviu como demonstração da influência conquistada pelo pequeno país do Golfo Pérsico, cujas reservas de gás natural, descobertas há 60 anos, ajudam a dar ao emirado a maior renda per capita mundial.

Também é a mais recente jogada na corrida armamentista cultural e arquitetônica que fervilha no Golfo Pérsico. Países rivais competem para estabelecer identidades nacionais distintivas e ganhar status, em meio à volatilidade política e a choques culturais.

“O Qatar é um país pequeno mas muito rico, cercado por Estados que procuram há muito tempo minimizar seu potencial de ascender como potência”, afirmou Giorgio Cafiero, presidente-executivo da Gulf State Analytics, consultoria sediada em Washington.

“Os investimentos em grifes de luxo, esportes e artes não acontecem só em busca de prestígio e lucro”, explicou Cafiero. “São um esforço para conquistar corações e mentes e formar alianças profundas que deem aos parceiros externos um interesse maior na preservação da independência do Qatar.”

Usar o "soft power" como parte de uma estratégia de segurança nacional mais ampla ganhou importância para o país, que enfrenta a ameaça externa mais séria em suas quatro décadas de história. Desde 2017, um bloqueio aéreo e terrestre liderado pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos isolou o Qatar.

Riad e Abu Dhabi acusam o país de apoiar a Irmandade Muçulmana e outros movimentos populares islâmicos surgidos na Primavera Árabe.

Em lugar de se submeter, o emirado batalhou para se adaptar à nova situação. Pouca gente espera que o bloqueio seja abandonado, e por isso as tensões diplomáticas continuam desconfortavelmente fortes. 
Consequentemente, enquanto o Qatar se prepara para sediar a Copa do Mundo de 2022, seu governo vem expandindo a campanha para tornar o país mais visível no exterior.

Gastar quantias inimagináveis de dinheiro fora do país é uma estratégia que os locais adotam há quase duas décadas. Em um esforço para diversificar sua economia, o Qatar adquiriu participações acionárias no time do Paris Sain-Germain e no aeroporto de Heathrow, em Londres, entre outros negócios. 

No mundo da arte, o processo é liderado pela xeica Al Mayassa Hamad bin Khalifa Al Thani, presidente da Qatar Museums e irmã do emir, que controla um orçamento anual para aquisições estimado em US$ 1 bilhão (R$ 3,93 bilhões).

Na moda, o Mayhoola for Investments (“desconhecido”, em árabe), um conglomerado sigiloso ligado ao Estado e à xeica Mozah bint Nasser Al-Missned, ícone mundial da moda e mãe do emir, Tamim bin Hamad al Thani, controla diversas marcas de luxo, como Valentino e Balmain —não surpreende que as duas grifes tenham emergido como patrocinadoras do fundo Fashion Trust Arabia, criado por Mozah.

Além disso, o emirado tem investimentos consideráveis em propriedades de luxo e participações em companhias como a LVMH, a tradicional loja britânica Harrods e o luxuoso hotel Claridge’s, em Londres.

Esses ativos foram prejudicados pelo bloqueio, já que os ricos sauditas e dos Emirados Árabes agora optam por se hospedar ou fazer compras em outros lugares. 

“O rompimento de relações entre o Qatar e seus vizinhos é algo a que muita gente no setor de luxo vem prestando atenção”, disse Alexander Bolen, presidente-executivo da americana Oscar de La Renta. A marca opera áreas exclusivas na Harrods e estuda expandir a presença no Golfo Pérsico.

“O Oriente Médio é o lar de muitos clientes extremamente valiosos, que gastam dinheiro em seus países e no exterior”, disse Bolen. “Não nos interessa alienar nenhum deles.”

O turismo do emirado, que começava a crescer, sofreu um baque. Ao mesmo tempo, os preços ao consumidor subiram, afetando o orçamento dos trabalhadores estrangeiros, que formam 88% da população local, de 2,4 milhões.

Segundo Mario Ortelli, sócio diretor da Ortelli & Co., consultoria de produtos de luxo, o emirado era um nicho de mercado, mas importante para as companhias de luxo, já que seus moradores têm renda significativa e preferem marcas europeias. “Hoje, o maior impacto do embargo é que, em vez de gastar no exterior, qatarianos agora gastam em seu país, por praticidade e patriotismo.” 

“O maior perdedor com o bloqueio não é o Qatar, mas Dubai, onde os qatarianos gastavam muito dinheiro com recreação e usavam a cidade como polo logístico”, afirmou Cafiero, da consultoria Gulf State Analytics. 

No evento do Fashion Trust Arabia, pouco se falou do bloqueio. O foco eram os designers vencedores.

Cada um receberia orientação de estilistas famosos, até US$ 200 mil (R$ 786 mil) em capital e distribuição internacional no site matchesfashion.com, de comércio de luxo. Dois estilistas libaneses, Salim Azzam e Roni Helou, receberam juntos o prêmio de prêt-à-porter.

Dos 25 finalistas, selecionados entre 250 inscritos, nenhum era da Arábia Saudita, que realizou sua primeira semana de moda em Riad em 2018. Mas alguns vinham de Dubai e do Egito, e sua participação foi recebida calorosamente pela xeica Al Mayassa.

No palco, ela reiterou suas esperanças de que surja uma indústria da moda no Oriente Médio capaz de transcender as fronteiras regionais, mas com raízes no Qatar.“Como outros ramos das artes, a moda nos permite sonhar e expressar o que somos.”

Tradução de Paulo Migliacci

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