Um anúncio feito de neon surge entre os resquícios de mata atlântica do Parque Lage, no Rio de Janeiro: "A Grande Chance", diz a mensagem em letras garrafais vermelhas.
Exibida pela paulistana Regina Parra, 35, em uma mostra coletiva na tradicional escola de artes visuais do parque realizada em 2015, a instalação foi, no mínimo, auspiciosa. Desde "Chance" —que pode ser vista atualmente na Pinacoteca, junto a outras novas aquisições para o acervo do museu— , a artista participou de exposições em Nova York, Milão e Zurique.
No mês que vem, ela parte para uma residência na AnnexB, em Nova York. Em agosto, retorna ao Brasil para participar de duas mostras institucionais: o 36º Panorama da Arte Brasileira, mostra bienal do MAM-SP, e a coletiva "Histórias das Mulheres, Histórias Feministas", no Masp.
Nessa última, Parra apresentará uma performance desenvolvida em colaboração com Ana Mazzei. Intitulada "Ophelia", a obra consiste em uma espécie de desfile silencioso, em que mulheres seguram placas com falas da noiva de Hamlet.
A performance é um dos muitos trabalhos recentes da artista que lida com a questão feminina. Ela guia, por exemplo, "Bacante", solo em cartaz no Anexo Millan até o final de abril. Em várias telas da exposição, o próprio corpo da artista aparece esticado, invadido, maltratado.
O tema também estava em pinturas como "A Libidinosa" (2018) em que uma mulher abocanha o cotovelo de outra. E, finalmente, permeava "Por que Tremes, Mulher?", mostra individual de 2016, que tematizava a violência velada das relações de poder.
A produção se afasta das obras anteriores da artista, que discutiam assuntos como sistemas de vigilância, caso das pinturas de "Controle", ou a crise migratória contemporânea, tema do vídeo "7.536 passos", sobre a comunidade boliviana em São Paulo.
Apesar de aquelas obras já transparecerem "uma preocupação com a regulação e a reação dos corpos ao ambiente", segundo o curador Moacir dos Anjos, nos últimos trabalhos Parra torna esse foco ainda mais imperativo.
O motivo, explica a artista, é uma doença que a acompanhou nos últimos quatro anos. Conhecida como miopatia mitocondrial, ela promove uma paralisia lenta, mas progressiva dos músculos. Por causa dela, a artista passou a pintar sentada, usando um suporte para sustentar o pescoço. Parra conta não ter mais sintomas desde um tratamento feito no final do ano passado.
"Mesmo sem querer, minha atenção estava inteira no corpo. Ao mesmo tempo, comecei a entender que as limitações que as minhas partes sofriam não me eram estranhas, porque sou mulher e já tenho o corpo controlado por convenções sociais."
Datam da época da doença também suas primeiras incursões pela dança, em parceria com um coreógrafo e dois bailarinos. "Não conseguia sair do sofá, mas ficava assistindo a vídeos de dança. Aquilo de alguma maneira me alimentava."
Parra gosta de pegar emprestado do diretor Antunes Filho uma definição para o que faz: "As artes visuais são meu patinete, um veículo para explorar o mundo", brinca.
Apesar do vaticínio de "Chance" e das exposições, Parra diz ter verdadeiro pânico de ocasiões definitivas, grandiosas —dignas de anúncios de neon. "Gosto de rotina. Almoço todo dia o mesmo prato, no mesmo lugar", ri.
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