Era uma vez, em um lugar distante e algum tempo atrás, diversas facções que disputavam um mesmo território. Todas clamavam legitimidade, mas nenhuma tinha força para vencer sozinha as demais. Por isso, alianças eram feitas e desfeitas sem parar, enquanto o número de cadáveres só aumentava.
O prêmio cobiçado não era o Trono de Ferro, e sim um grande terreno vazio na cidade portuária de Ostia, próxima a Roma.
Um lugar perfeito para receber um hotel, um cassino ou mesmo um terminal marítimo para o escoamento de drogas. E os protagonistas não são membros de casas nobres, mas sim os integrantes de máfias de diversos tamanhos —entre elas, o próprio Vaticano.
A produção é "Suburra - Sangue em Roma", a primeira série original da Netflix produzida na Itália, cuja segunda temporada estreou no final de fevereiro.
O título do programa remete ao bairro mais perigoso da Roma antiga, povoado por assaltantes e prostitutas.
Ambientada em 2008, a trama precede a do filme "Suburra", também disponível na plataforma, dirigido por Stefano Sollima ("Sicario: Dia do Soldado") e baseado no romance de Carlo Bonini e Giancarlo de Cataldi. O livro, por sua vez, inspira-se na história real da Mafia Capitale, uma organização criminosa que operava na capital italiana e em seus arredores.
Algumas das figuras metidas nesse imbróglio são poderosíssimas, mas os personagens principais do seriado são três peixes pequenos, diletantes no submundo do crime.
Aureliano (Alessandro Borghi) é o herdeiro de uma pequena gangue de narcotraficantes. Gabriele (Edoardo Valdarnini), filho de um policial, começa vendendo ecstasy em festas. E Spadino (Giacomo Ferrara) faz parte de um clã sinti, uma etnia cigana, que enriqueceu na contravenção. De temperamento violento, ele esconde um segredo que pode lhe custar a vida: é homossexual.
Ao redor deles gravitam um chefão oriundo da extrema direita, um político honesto que aos poucos se corrompe, uma condessa de modos refinados e um cardeal cuja maior lealdade não é com a Igreja Católica. Os embates entre eles produzem mortes chocantes e inesperadas, tal como acontece em "Game of Thrones".
A cidade de Roma, cujo nome está no subtítulo da série, aparece de relance no vídeo, em vistas deslumbrantes ou interiores suntuosos.
Mas a maior parte da ação de "Suburra" se passa na feia periferia da cidade. A locação mais interessante é a espécie de condomínio fechado onde moram os sinti. O salão da casa principal está sempre cheio de mulheres e crianças na maior algazarra, enquanto os homens da família combinam ali mesmo seus próximos crimes.
Mesmo com tantos personagens envolvidos, a intriga de "Suburra" nunca se torna confusa ao ponto de o espectador perder o fio da meada. Ainda assim, é importante prestar o máximo de atenção possível: pequenos detalhes que parecem insignificantes podem se revelar cruciais alguns episódios adiante.
Com personagens mais complexos do que "Narcos", outra série sobre traficantes produzida pela Netflix, "Suburra - Sangue em Roma" lança um olhar novo sobre a máfia, já tão explorada pelo cinema e pela TV.
Os acontecimentos da segunda temporada da série trazem a história para bem perto do roteiro do filme. A Netflix ainda não anunciou se haverá uma terceira safra tampouco se ela, caso venha, se afastará da trama original. De qualquer forma, "Suburra" merece ser vista.
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