Show 'Opinião' volta à cena nos dez anos da morte de Augusto Boal

Livros e peças também lembram o legado do diretor que criou o Teatro do Oprimido

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O diretor de teatro Augusto Boal

O diretor de teatro Augusto Boal Divulgação

Guilherme Henrique
São Paulo

“Seria lindo, mas Maria Bethânia deve ter uma agenda cheia neste ano”, lamenta, com bom humor, Julian Boal. A ausência da cantora, que nem sequer foi convidada, não será um empecilho para remontar o show “Opinião” em dezembro, 55 anos depois de sua estreia, em 1964.

Além de Julian, o projeto para reencenar o show-espetáculo também tem a participação da atriz e produtora Mariana Mayor e do compositor Paulinho . Considerada um marco do teatro político brasileiro, a obra faz parte de uma série de eventos que vão abordar o legado do dramaturgo, escritor e diretor de teatro carioca Augusto Boal, uma década depois de sua morte.

Uma das primeiras manifestações artísticas contrárias à ditadura instaurada em março de 1964, o show “Opinião” fez com Zé Keti, João do Vale e Nara Leão —substituída por Bethânia em fevereiro 1965— um retrato do Brasil da época, com um trabalhador urbano e um retirante nordestino, ambos negros, e a moça branca de classe média. 

“Reencenar o ‘Opinião’ agora é questionar quem seriam os representantes do Brasil contemporâneo”, explica Julian, filho do dramaturgo. Ainda não estão definidos os cantores que farão a remontagem.

Nesta semana, será relançado, no Rio de Janeiro, o livro “Teatro do Oprimido e Outras Políticas Poéticas”, pela editora 34, como marco inicial das celebrações. A obra, publicada em 1973 durante o exílio de Boal na Argentina, reúne ensaios escritos a partir de 1962, que relatam experiências teatrais em países da América Latina, como Peru, Venezuela e Argentina.

A partir de junho, releituras e remontagens de peças como “Revolução na América do Sul”, de 1960, “Arena Conta Zumbi”, de 1965, “Torquemada”, de 1971, e “Murro em Ponta de Faca”, de 1974, vão discutir temas sensíveis do Brasil, como violência, autoritarismo e racismo. 

“São peças atualíssimas. Ele era um dramaturgo antenado com a situação política do país, que não mudou”, assinala Cecília Boal, mulher do diretor por quase cinco décadas.

“São eventos para debater a atualidade. Em ‘Zumbi’, vamos analisar como o negro é representado na sociedade. Em ‘Murro em Ponta de Faca’, a ideia é abordar os exílios de ontem e de hoje”, ressalta Julian. “Vamos explorar textos, montagens, polêmicas, para ver o que há de elucidativo a fim de entendermos o momento que vivemos”, afirma. 

A ligação afetiva com a obra do pai não impede Julian de esmiuçar contradições nos textos escolhidos para a celebração. “‘Revolução na América do Sul’ é uma peça que denuncia a corrupção dos políticos e que exerceu um papel importante de denúncia quando foi lançada. Mas falar que todo político é corrupto atualmente significa reforçar um sentimento que não é crítico, mas acomodado”, afirma.

Um dos responsáveis pela consolidação do Teatro de Arena, em São Paulo, entre as décadas de 1950 e 1960, Augusto Boal se tornou conhecido mundialmente por desenvolver o teatro do oprimido, no início dos anos 1970. 

“Ele conclamou uma série de autores, como Bertolt Brecht, Stanislávski, para criar uma perspectiva que pense criticamente, entre outras coisas, a exploração do trabalhador”, comenta Maria Sílvia Betti, professora do departamento de Letras da Universidade de São Paulo. 

Adotado em companhias de países como Índia, México, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, o teatro do oprimido rompe com a dualidade entre ator e espectador usando estéticas diversas, como o teatro invisível, feito a céu aberto e aproveitando cenas do cotidiano, ou o teatro jornal, que se inspira no noticiário do momento. 

“Augusto se deu conta do alcance reduzido do teatro, por isso criou a estética do oprimido. Nele, as pessoas escolhem o que deve ser discutido, proporcionando um alcance real do público em relação ao espetáculo”, opina Cecília Boal.

Reencenar as peças de Boal, argumenta Sílvia Betti, significa discutir sua importância para as artes nos últimos 60 anos. “Ele foi muito mais um pensador do teatro do que um dramaturgo, no sentido de instrumentalizar e criar perspectivas para que o teatro estivesse dentro das lutas sociais e políticas brasileiras.”

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