Thiago Pethit faz de novo álbum um diário íntimo do centro de São Paulo

Letras de 'Mal dos Trópicos' exaltam geografia queer da Consolação em mistura de Villa-Lobos com trip-hop

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São Paulo

Há três anos, Thiago Pethit vivia o auge de sua carreira. Em turnê com o álbum "Rock'n'Roll Sugar Darling", de 2014, ele estava com agenda cheia, música em trilha sonora de novela e estreando como ator no cinema.

"O show era muito catártico, libertino, uma incitação sexual muito grande, de festa", lembra. "Não fazia sentido celebrar uma diversidade sexual daquele jeito."

O músico conta que as guitarras sujas e a abordagem provocativa de seu trabalho mais roqueiro foram perdendo o significado para ele. "Sou gay e, claro, as nossas pautas gays cresceram muito. Quando comecei, era impossível imaginar a existência de uma Pabllo Vittar. Mas ainda estávamos muito longe de conquistas reais", afirma.

Neste ano, Pethit retoma a carreira na música com "Mal dos Trópicos (Queda e Ascensão de Orfeu da Consolação)", disco que reúne mitologia grega, trip-hop e a estranheza noturna do centro de São Paulo.

O trabalho, com estética inédita em uma década de carreira do cantor, foi ganhando forma ao longo dos últimos três anos.

O período coincide com a mudança dele para o bairro de Santa Cecília e a chegada da direita ao poder. "De uns cinco anos pra cá, [o centro] tem sido um lugar mais frequentado, e por uma nova geração, que parou de ir à rua Augusta", analisa Pethit, que nasceu em São Paulo.

A região central, seus prédios históricos, bares e movimentação noturna atravessam as músicas de "Mal dos Trópicos", do clube noturno L'Amour aos bares da Consolação. São o cenário da queda e da ascensão do Orfeu representado pelo eu lírico.

O álbum também foi influenciado pelo movimento de festas de techno em ruas do centro e pelos galpões abandonados de toda a cidade.

"No auge real disso tudo, o momento era de 'fora, Temer', raiva e total falta de visão de futuro", recorda, citando a festa mais conhecida do período, a Mamba Negra, e seu mais importante braço musical, o Teto Preto.

"Era muito distópico, e é como se [aquela] música conseguisse contemplar isso. Você vai nessas festas e é tudo distópico, escuro, duro, as pessoas às vezes nem estão dançado, só estão muito loucas."

Mas o tal centro descrito por Pethit não é só um lugar na geografia da cidade. Se em seu segundo disco, "Estrela Decadente", de 2012, grande parte das músicas era cantada em inglês, agora ele se expressa quase sempre em português. Se "Rock'n'Roll Sugar Darling" fazia referência direta ao punk nova-iorquino, "Mal dos Trópicos" conversa com o samba faz alusões ao Carnaval.

"No momento em que comecei a fazer música, tudo convidava a olhar para fora", diz. "Tinha internet, não precisávamos mais de gravadora, nem de Globo. E havia a ideia de globalização, de que a internet era o mundo todo. De que, se você fizesse uma música, de repente, ela podia parar na casa de um gringo".

Agora, segundo Pethit, é "inevitável" olhar "para dentro", o centro do país e de si mesmo. "Mal dos Trópicos" é seu álbum mais íntimo e direto, tanto nas performances vocais arrojadas quanto nas letras —resultado direto da vivência pessoal dele.

"É um disco que sempre quis fazer, e eu não diria isso dos meus outros discos", confessa. "Não precisei tanto de 'máscara'." Sonoramente, "Mal dos Trópicos" é construído com batidas secas, samples de canções antigas e os arranjos robustos e dissonantes do produtor Diogo Strausz (conhecido por obras com Mahmundi e Alice Caymmi).

Muito ligado a símbolos, Pethit encarna na obra o desencanto de Orfeu, poeta desiludido que enxerga o mundo a partir da falta. "[Essa mistura] poderia ter dado errado: Portishead, Villa-Lobos, mitologia grega e centro de São Paulo", admite. "Mas foi natural. Vivi histórias no Copan, faço poesia e sou cantor —esse é o arquétipo do Orfeu."

Mal dos Trópicos

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