Amor, sangue e política guiam retorno de Anna Maria Maiolino à Itália

Mostra revê obra da artista plástica, que deixou o país criança e veio ao Brasil

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Milão

Quando tinha 12 anos, Anna Maria Maiolino deixou a Itália, onde nasceu, junto com a mãe e a irmã Rosalba. Elas viajaram de navio para Caracas, onde o pai e outros irmãos as aguardavam, 
também emigrados depois da Segunda Guerra Mundial.

Seis anos mais tarde, em 1960, a família se mudou para o Rio de Janeiro, onde Maiolino se estabeleceu e fortaleceu seu percurso pela arte, que nas décadas seguintes a levaria para coleções privadas e museus internacionais.

Ainda que ela se defina como uma artista brasileira, a Itália nunca saiu de sua memória nem de seu sotaque, mas demorou 65 anos desde aquela viagem de navio para que seu país de origem prestasse atenção nela. Aos 76 anos, Maiolino esteve em Milão em março para abrir uma retrospectiva com mais de 400 itens que englobam as principais fases da sua carreira.

“Voltar aqui, com o meu trabalho, é muito emocionante”, disse a artista, quase sem voz, entre autoridades culturais da cidade e vista por convidados que encheram os 1.200 metros quadrados do Padiglione d’Arte 
Contemporanea, espaço municipal que abriga a exposição até o mês que vem.

“Eu não sei dizer por que demorou tanto [para uma retrospectiva sobre a Maiolino na Itália]. Isso é incrível. Ela tem quase 77 anos, e eu não acredito que ninguém tenha pensado antes da gente em fazer uma exposição assim na Itália”, disse Diego Sileo, organizador da mostra e também curador do PAC.

“Na minha opinião, esse é um problema enfrentado por muitas artistas mulheres da geração da Anna Maria Maiolino. A própria Maria Lai teve a sua primeira retrospectiva na Itália há cinco ou 
seis anos”, diz, em referência à artista italiana morta em 2013 que ficou conhecida por seus bordados.

Sileo, milanês especializado em América Latina, trabalha na mostra há três anos. Foi dele a ideia do título da exposição, “O Amor Se Faz Revolucionário”, assim mesmo, em português, estampado em totens de publicidade que se espalharam por Milão nas semanas anteriores.

“Anna Maria pensou nessa frase para uma instalação que nunca foi realizada, dedicada às mães da praça de Maio, em Buenos Aires. Ela tentava explicar com essa sentença o sentimento daquelas mulheres que tiveram de seguir em frente e procurar por seus filhos [mortos ou desaparecidos pela ditadura argentina]. Lutar contra tudo e todos é uma forma de amor, um amor revolucionário”, afirma.

“Minha ideia foi usar essa frase para mostrar como foi sua carreira. Porque só o amor pode mover uma pessoa como Anna Maria para trabalhar, por todo esse período, de uma forma tão forte.”

O tom político, presente desde sempre em sua produção, permeia a mostra, com trabalhos conhecidos como “É o que Sobra”, da série “Fotopoemação”, feito em 1974, durante a ditadura militar brasileira, e outros menos difundidos, como o novelo de letra cursiva da série “In-moto”, que reproduz à caneta uma notícia da Folha de 30 de dezembro de 2006: “Após ataques, Rio isola chefes de facção”. Também é o contexto da nova performance “Al di là Di”, pensada especialmente para para o PAC.

“O pano vermelho que vou usar no chão é um território de sangue. O poético é sempre transformador, mesmo quando se fala de violência”, diz ela.

“Ainda que sua arte agora seja mais intimista que suas performances iniciais, ela é totalmente envolvida nos temas sociais e políticos. Sua nova performance é inspirada na atual situação brasileira”, conta Sileo, o curador.

Os três níveis do prédio mostram o trabalho de Maiolino em uma sequência que começa pelas obras mais recentes e termina com as mais antigas, dos anos 1960. Logo na entrada, está uma instalação finalizada poucos dias antes da abertura. O trabalho cobre toda a grande parede com pequenos elementos de argila moldada à mão.

Em seguida, vêm desenhos e pinturas dos anos 2000, quase em frente aos bordados sobre papel pendurados com fios de náilon, uma representação dos gestos manuais repetitivos desempenhados por mulheres no ato de costurar. 

Questões femininas, maternas e familiares vão ficando cada vez mais evidentes conforme o visitante avança e se aproxima das décadas iniciais de trajetória. 

Estão lá a xilogravura “O Bebê” (1967) e, na última das salas, “A Família” (1966), um acrílico sobre madeira.
Também no final da mostra, em uma frase colada na parede, a artista descreve o medo que sentiu durante a viagem para a Venezuela, aquela feita aos 12 anos de idade com a mãe e a irmã.

“Meu corpo segue o balanço do navio. A água bate furiosamente contra a janela de vidro do salão da 
primeira classe. Estou sozinha e essa área é proibida para passageiros da terceira classe. Rosalba, minha irmã, está na enfermaria; ela está muito doente. Minha mãe, como todos, está lá embaixo, no quarto compartilhado dos imigrantes. Parece que o navio está prestes a afundar, engolido pelas ondas, no 
estreito de Gibraltar.”

A imigração, recorrente nas obras de Maiolino e, hoje, um tema tão sensível à Itália, que vê crescer o sentimento interno de “portos fechados” contra imigrantes, não poderia ficar de fora dessa volta da artista ao seu primeiro país.

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