Em 26 de abril de 1986, uma combinação de erros humanos e falhas estruturais fez com que o reator número quatro da usina nuclear de Chernobyl pegasse fogo e explodisse, liberando uma radiação na atmosfera 400 vezes superior à emitida pela bomba atômica de Hiroshima.
Trinta e três anos depois, a minissérie em cinco partes "Chernobyl" revive e desvenda detalhes do maior acidente nuclear da história.
"Se você perguntar para as pessoas como o Titanic afundou, todo mundo vai responder que foi um iceberg, mas ninguém sabe dizer como Chernobyl explodiu. Nem mesmo eu, até começar a pesquisar sobre o assunto", revela à Folha Craig Mazin.
O roteirista e criador da produção teve a ideia para o programa ao ler sobre a cúpula que engloba atualmente a armação de concreto ao redor do antigo reator nuclear.
Apelidada de "sarcófago", ela foi inaugurada em novembro de 2016 ao custo de 2,1 bilhões (cerca de R$ 9,35 bilhões). "Nunca consegui deixar de pensar naquilo."
O acidente ocorreu depois de alguns engenheiros de Chernobyl, usina batizada em homenagem à cidade próxima, na Ucrânia, na época ainda parte da antiga União Soviética, conduzirem um teste de segurança.
A explosão não apenas ameaçou os 50 mil habitantes da Pripyat, cidade construída basicamente para viver em torno de Chernobyl, mas boa parte da Europa —as nuvens radioativas alcançaram até a Suécia.
"Chernobyl", que estreia nesta sexta-feira (10), às 21h, na HBO, vai muito além da madrugada do acidente.
A minissérie se concentra em cinco personagens que revelam a complexidade do desastre em todas as esferas, dos diretamente responsáveis aos políticos soviéticos, que não queriam passar a ideia de fracasso para o ocidente.
Houve demora nas respostas de emergência, um atraso na evacuação de 300 mil pessoas que seriam afetadas e decisões políticas cruéis.
"Você vai entender como é difícil fazer um reator nuclear explodir. Precisa haver erros de julgamento e mentiras intencionais do topo da cadeia de poder até à base. É uma série sobre o custo das mentiras", explica Mazin. "Chernobyl foi o resultado de decisões terríveis feitas para proteger um sistema corrupto."
Conhecido por comédias leves e um roteirista importante nos bastidores de Hollywood, Mazin precisou "ligar a chave do drama" para conduzir a minissérie.
Ele não só pesquisou nos relatórios dos cientistas, nos documentos da Agência Internacional de Energia Atômica e visitou sobreviventes, mas também visitou Pripyat, hoje uma cidade fantasma condenada ao abandono por 3.000 anos por causa da radiação.
"Teria ficado aterrorizado se não tivesse lido tanto sobre o assunto, mas sabia sobre níveis de radiação e fomos com um especialista em segurança", explica. "Mesmo assim, quando eu estava perto da famosa roda-gigante, o segurança me pediu para dar um passo para o lado, pois estava em cima de um bueiro. Metal contém mais radiação que asfalto. É uma ameaça invisível."
As filmagens foram feitas em boa parte na Lituânia, com algumas sequências em Kiev.
O resultado é uma série perturbadora e consistente.
"Tentamos chegar o mais próximo possível do que aconteceu. Quase não há decisões para aumentar dramaticidade", ressalta Mazin, que discute ficção e realidade em um podcast paralelo à série.
"Precisávamos respeitar quem se sacrificou para impedir um desastre maior e também os sobreviventes."
Os cinco episódios de "Chernobyl" trafegam por eixos diferentes de personagens, quase todos reais. Caso do cientista nuclear Valery Legasov (Jared Harris), chamado para verificar os danos e uma das principais autoridades a desafiar o governo soviético.
Caso também da sobrevivente Lyudmilla Ignatenko (Jessie Buckley), mulher de um dos bombeiros atingidos pela radiação e uma das personagens mais impressionantes do livro "Vozes de Tchernóbil" (Companhia das Letras), da Nobel de literatura Svetlana Aleksiévitch.
Mas o primeiro episódio pertence a Anatoly Dyatlov (Paul Ritter), o supervisor da usina na hora do evento e o responsável pelo comando do teste de segurança.
Dyatlov é retratado como um chefe em negação seguindo as ordens de Moscou, sempre utilizando o medo como desinformação.
No segundo episódio, a série apresenta a cientista nuclear Ulana Khomyuk (Emily Watson), um amálgama ficcional de especialistas em busca da verdade sobre Chernobyl.
Oficialmente, o governo soviético listou apenas dois mortos na cena do acidente e 28 vítimas nas semanas seguintes.
Cientistas europeus, porém, acreditam que mais de 10 mil pessoas foram atingidas pela radiação, aumentando o número de casos de câncer em vários países de Europa.
"Me choca como houve uma briga pela propriedade da verdade. É tão fácil diminuir os fatos e tudo que serve como base científica", afirma Watson. "É algo realmente perigoso."
Chernobyl
HBO, às 21h
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