Eurovision chega ao final como um retrato das tensões geopolíticas do continente

Recheado de pirotecnia, cafonice e muito playback, final de concurso é neste sábado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O competidor Luca Hanni da Suíça, durante a ensaio da semi-final da Eurovision

O competidor Luca Hanni da Suíça, durante a ensaio da semi-final da Eurovision Ronen Zvulun/Reuters

Paris

A Europa tem, por estes dias, os olhos voltados para uma votação. Mas não se trata da eleição para definir os representantes de 28 países no Parlamento continental, a ser realizada ao longo da semana que vem e que, temem alguns, pode desembocar em uma captura do Legislativo por forças populistas.

O que mobiliza multidões, de Portugal ao Azerbaijão, da Finlândia ao Chipre, é uma disputa bem mais frívola: o concurso musical Eurovision, cuja 64ª edição anual chega ao clímax neste sábado (18), em um show de pirotecnia, cafonice e muito playback em Tel Aviv, em Israel.

Em 2018, o show de calouros pan-europeu teve audiência combinada de quase 200 milhões de espectadores. Nada sugere que a edição de agora vá alcançar menos pessoas.

A seu favor, o programa tem um bom lote de polêmicas. 

A Ucrânia desistiu de enviar representação porque os quatro primeiros colocados do certame nacional se recusaram a assumir o compromisso de não fazer turnê na Rússia, que anexou a Crimeia em 2014. Já na Itália, a escolha de um cantor de ascendência egípcia fez aflorar a xenofobia de integrantes da ala ultraconservadora do governo.

O fato de a competição acontecer em Israel, país vencedor no ano passado, também acirra ânimos, estimulando campanhas de boicote capitaneadas por grupos simpáticos à causa palestina.

Se a política se infiltra no processo de seleção de candidatos e muitas vezes nas letras das canções que eles interpretam, o que parece mesmo cativar as plateias europeias é a, digamos, exuberância do espetáculo. Concorrentes soltam a voz ladeados por labaredas, têm sua imagem replicada centenas de vezes em espelhos e via efeitos especiais, e por aí vai.

Só para citar dois exemplos da edição atual, na quinta (16), durante a segunda semifinal, o croata Roko entoou sua “The Dream” com enormes asas de anjo grudadas nas costas, enquanto o russo Sergey defendeu “Scream” do lado de lá de uma porta de vidro encharcada por uma chuva fake.

Só o segundo se classificou para a final, para a qual casas de apostas e sites especializados —sim, eles existem, e em profusão— dão como favoritos, além do compatriota de Vladimir Putin, o holandês Duncan Laurence e o sueco John Lundvik.

Conterrâneos desse último arrebataram o troféu seis vezes (retrospecto só menos estrelado do que o da Irlanda, com sete vitórias). 

 

Um deles foi para as mãos do Abba, que, depois de apresentar “Waterloo” no programa de 1974, despontou para a fama planetária. Em termos de carreira pós-Eurovision, só a canadense Céline Dion (defendendo a Suíça em 1988) teve algo parecido com a projeção do quarteto sueco.

 Neste sábado, 26 aspirantes soltam seus trinados para tentar repetir a história daqueles dois. Aos 20 que avançaram das semifinais se juntam os representantes do “big 5” (Espanha, Itália, França, Alemanha e Reino Unido) e do país-sede. A pontuação de cada candidato é definida pela combinação das notas do público com as de júris técnicos de cada país, com o mesmo peso.

O frenesi em torno do concurso é alimentado pela mídia. Na normalmente sisuda França, nos dias que antecedem o Eurovision, os canais de TV exibem vários programas sobre a competição, e mesmo grandes jornais, como o Monde, publicam longas reportagens sobre ela.

No dia da final, é comum que bares e restaurantes transmitam a cantoria em telões, como acontece no Brasil em decisões de campeonatos de futebol.

A França, aproveitando-se do status de “big 5”, vive tentando mexer nas regras do show de calouros, sobretudo no que diz respeito ao idioma das canções em disputa.

O país venceu cinco vezes; em todas elas, porém, vigorava a regra de que os intérpretes só podiam se apresentar na língua oficial de seus países. Ou seja, os tricolores triunfaram quando as faixas em inglês foram quase que escanteadas.

Em 2019, o idioma que é o mais compreendido pelo eleitorado transnacional aparece em quase 80% dos títulos —em 2016 e 2017, mais de 90% das letras eram em inglês. Désolé, França.

Peça importante da história cultural da Europa na segunda metade do século 20, como ideal de concórdia, tolerância e integração, o concurso deve ganhar em breve uma versão americana. A previsão é a de que o American Song Contest, com uma queda de braço entre estados, estreie em 2021.

Também está em desenvolvimento um remake que congregaria 17 países do Golfo Pérsico, do Oceano Índico e do extremo Oriente.

Eurovision
A partir das 16h, no canal pago TVE

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.