Exposição 'O Tempo Mata' traça panorama da videoarte em seis décadas

Mostra no Sesc Avenida Paulista apresenta trabalhos de 17 artistas da fundação Julia Stoschek

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São Paulo

Califórnia, 1973. Querendo testar novos meios e alcançar audiências maiores do que a dos frequentadores de museus e instituições de arte, o então jovem Chris Burden (1946-2015)  comprou inserções na TV aberta americana. Ao lado de comerciais de margarina ou pasta de dentes, o artista veiculou em sequência três frases estampadas na tela: “A ciência fracassou. Calor é vida. O tempo mata”, criando uma espécie de ruído poético dentro da programação de anúncios. 

“O Tempo Mata” é justamente o título da exposição que o Sesc Avenida Paulista inaugurou com vídeos de Burden e outros 16 artistas: Douglas Gordon, Rachel Rose, Monica Bonvicini e Jack Smith para citar alguns.

As obras pertencem à fundação Julia Stoschek. Herdeira de bilionários alemães do ramo de autopeças —seu bisavô fundou a Brose Fahrzeugteile, hoje presidida por seu pai—, a colecionadora dedica parte da fortuna para estruturar e preservar um importante acervo de videoarte com sede em Dusseldorf e Berlim.

Foi em cima desse conjunto de aproximadamente 850 obras das últimas seis décadas que o curador Rodrigo Moura pesquisou para formar o recorte trazido a São Paulo.

“Procurei fazer algumas associações, definir linhas temáticas. Existem, por exemplo dois trabalhos importantes de performance dos anos 1970, algumas obras detetivescas e um conjunto dedicado à questão identitária e de gênero”, explica Moura.

Em comum aos vídeos, parece haver a premissa de romper com as narrativas lineares e distanciar-se ao máximo possível do cinema, ainda que alguns artistas venham desse universo. Autor de uma das obras mais contundentes da mostra, uma colagem de referências da cultura afro-americana, Arthur Jafa, por exemplo, já trabalhou como diretor de fotografia para  Kubrick e Spike Lee.

É a história dos Estados Unidos —com seus impactos na paisagem cotidiana— que inspira também “Palisades em Palisades”, de Rachel Rose, uma incursão a um parque em Nova Jersey.

“Queria entender como as camadas da história e da vida social se entrelaçam na paisagem. Criei essa espécie de arqueologia, com visitas seguidas a um mesmo território”, disse Rose à Folha por telefone. Detalhista ao extremo, ela fez questão de acompanhar a montagem à distância, com instruções minuciosas que vão da disposição dos cabos e caixas de som à espessura do carpete.

Tal e qual a exposição de Bill Viola montada no mesmo espaço no ano passado, “O Tempo Mata” abraça o desafio de conciliar vídeos com diferentes durações e formatos imersivos. Logo na entrada, o espectador é recebido por “Destroy, She Said”, instalação em grande escala de Monica Bonvicini. Inspirada pelo livro homônimo de Marguerite Duras, a artista criou um mosaico de filmes clássicos em que atrizes interagem emocionalmente com paredes, janelas e outros elementos da arquitetura.

Afora pelo vídeo em que reencontra a antiga companheira Marina Abramovic no MoMA,  a obra do alemão Ulay é pouco conhecida no Brasil. Um dos vídeos mais fortes da mostra “There is a Criminal Touch to Art” (Há um toque criminoso na arte) acompanha o artista numa missão ousada: roubar aquele que era um dos quadros favorito de Hitler da Nationalgalerie, em Berlim, atravessar a cidade de carro, pendurá-lo na casa de um imigrante turco no bairro de Kreuzberg, tudo devidamente documentado em 1976. Na época, Berlim era ainda divida por um muro, longe de ser a meca da arte contemporânea que se tornaria nos anos 2000, e o vídeo mal e mal começava a ser usado como suporte artístico.

“As pessoas vem televisão o tempo todo, na tela do computador, do telefone... Tem uma gramática do vídeo que está instalada. Acho que existe uma resistência de mercado [à videoarte], mas o público se relaciona com ele de uma maneira mais desarmada do que com a pintura ou escultura”, complementa o curador.

Em inglês, usa-se o termo “Time-based art” para falar de trabalhos em vídeo, filme, áudio ou tecnologias computadorizadas em que a dimensão principal é a duração e não o espaço. “O Tempo Mata” brinca com essa ideia para falar tanto do caráter histórico das obras (celebrado por ser “novo” o vídeo já é hoje uma mídia “antiga” com mil percalços e dilemas de preservação) quanto da efemeridade da vida.

Quem quiser ver a exposição completa e a programação de filmes complementar precisará separar dez horas, 31 minutos e 41 segundos. Mas ela cabe alegremente numa visita bem menor. Que uso fazer do tempo, afinal, (matar ou morrer?), continua sendo grande dilema.

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