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Filme sul-coreano que chegou sem estridência a Cannes pode roubar holofotes

Diretor de 'O Hospedeiro' e 'Okja', Bong Joon-ho envereda pela sátira social em 'Parasite'

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Cena do filme 'Gisaengchung', ou 'Pasasite', do sul-coreano Bong Joon-ho, que disputa em Cannes a Palma de Ouro

Cena do filme 'Gisaengchung', ou 'Pasasite', do sul-coreano Bong Joon-ho, que disputa em Cannes a Palma de Ouro Divulgação

Cannes (França) e São Paulo

Enquanto a corte do filme de Quentin Tarantino, cercada por paparazzi, deixava o tapete vermelho após a sessão de “Era uma Vez em Hollywood”, uma equipe bem mais discreta se preparava para subir a escadaria acarpetada.

“Parasite”, do sul-coreano Bong Joon-ho, desembarcou com muito menos estridência no Festival de Cannes, mas pode roubar holofotes na noite de sábado (25), quando for entregue a Palma de Ouro. A obra talvez seja a maior unanimidade numa competição particularmente forte, como a deste ano.

Diretor do terror “O Hospedeiro” e do mais familiar “Okja”, Bong envereda aqui pela sátira social centrada em duas famílias —uma semimiserável, habitando um quarto e sala imundo e sujeito a enchentes, e a outra, dona de uma riqueza quase indecente, encastelada numa mansão ensolarada.

Só que o cineasta não é do tipo que dispara mensagens panfletárias disfarçadas de diálogos ou prega para convertidos na hora de denunciar mazelas. Ele prefere amarrar a história num suspense bem-conduzido, repleto de tiradas cômicas, que arrancou aplausos no meio de sua sessão para a imprensa.

Ki-woo (Choi Woo-sik) é um jovem que vive com os pais e a irmã, todos desempregados e se virando com bicos degradantes. Nenhum deles é retratado com condescendência pelo enredo. São quatro tipos safos, que aprenderam a ser malandros por questão de sobrevivência.

Quando o garoto aceita dar aulas particulares de inglês a uma adolescente abastada, descobre uma família que é o espelho distorcido da sua, dada às mesmas mesquinhezes, mas com dinheiro de sobra para esbanjar. Ele vê aí a chance de emplacar os seus parentes naquele ambiente, ocultando suas reais identidades —o pai como motorista, a mãe como governanta e a irmã como professora de artes.

A narrativa se estrutura em torno dessa farsa, e a sua crítica social fica ainda mais aguda conforme esmiúça as semelhanças entre os dois núcleos.

Os pobres não querem estar ali por qualquer outro motivo senão por desejo de se aproximarem de toda aquela opulência. Os ricos aos poucos se revelam sujeitos igualmente inseguros, deslumbrados com a ideia de status. No fundo, estão todos crentes que ascensão social é sinônimo de consumo, e só isso.

Menos unânime do que “Parasite” é “Era uma Vez em Hollywood”, de Quentin Tarantino.

Esse longa, aliás, produziu um curioso fenômeno. Foi aclamado pela crítica de língua inglesa, especialmente a dos Estados Unidos, como um retorno à boa forma do diretor americano após o morno “Os Oito Odiados”. Mas não teve a mesma recepção calorosa por parte de veículos europeus, que o acharam um tanto decepcionante (“um naufrágio”, segundo o espanhol El País).

No dia seguinte à estreia, ao se encontrar com a imprensa, Tarantino encontrou jornalistas um tanto congratulatórios. Durante 30 minutos, ouviu vários “parabéns pelo filme”, “parabéns por existir”, mas se irritou quando lhe perguntavam sobre os temas espinhosos do enredo, que são muitos.

A trama de seu longa revisita o assassinato de Sharon Tate, morta a facadas por seguidores do fanático Charles Manson, e o relacionamento da atriz com o diretor Roman Polanski, hoje chamuscado por acusações de abuso sexual. Ambos são personagens na história.

Tarantino se enfureceu quando lhe perguntaram se ele havia consultado Polanski, de quem é fã, antes de explorar um episódio tão traumático de seu passado. “Não” foi a sua resposta seca.

Ele também ficou irritado quando indagado sobre as poucas falas reservadas a Sharon Tate, que no filme é interpretada por Margot Robbie. “Por que dar a uma atriz tão talentosa como ela tão poucos diálogos?”. O diretor fechou a cara: “Rejeito essa hipótese”. E não falou mais nada.

Entre os elogios que colheu da imprensa, Tarantino foi poupado de ter que responder sobre Harvey Weinstein, seu fiel produtor, que saiu do projeto após ser soterrado por acusações de abuso sexual. Há 25 anos, nesta mesma cidade, os dois estavam juntos quando “Pulp Fiction” levou a Palma de Ouro e catapultou o diretor, então com 31 anos.

Xavier Dolan é outro diretor que retorna à mostra de cinema que mais o incensou, talvez de forma precipitada.

Com o drama “Matthias & Maxime”, o canadense revisita os dramas sobre sexualidade ambientados na sua Montreal natal e torna a protagonizar um filme seu, como não fazia desde 2013, com “Tom na Fazenda”.

Dolan interpreta o Maxime do título, sujeito que tem uma relação complicada com o melhor amigo, Matthias (Gabriel D’Almeida Freitas). Após ambos terem de fazer uma cena de beijo num filme experimental, passam a ser acometidos por angústias quanto ao que esperam um do outro.

De volta a seu terreno, e agora um diretor com mais de 30 anos, ele se mostra mais contido após o fracasso de sua empreitada mais hollywoodiana, “The Death and Life of John F. Donovan”, que de tão criticado acabou estreando em pouquíssimos países.

Ainda assim, os maneirismos estão todos ali —a música alta, os closes nas caras dos atores e, principalmente, os diálogos gritados.

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