A homossexualidade masculina já rendeu inúmeras séries cômicas, da pioneira "Will & Grace" à australiana "Please Like Me". A graça não vem da orientação sexual, mas da insegurança crônica que costuma acompanhar os gays.
Insegurança é o que não falta aos protagonistas de "Special" e "Amizade Dolorida", duas séries que chegaram em abril à Netflix. Outro ponto em comum é a brevidade: ambas têm temporadas curtas, com apenas sete episódios cada uma, que não ultrapassam 17 minutos. Perfeitos para serem baixados no celular e vistos no metrô.
"Special" é baseada nas experiências do roteirista Ryan O'Connell, que estreia como ator fazendo uma versão de si mesmo. Tanto o Ryan real como o da ficção sofrem de uma forma leve de paralisia cerebral: uma deficiência que pode aniquilar as chances de uma vida amorosa em um universo obcecado pela perfeição física.
No livro de memórias que antecedeu a série, "I'm Special and Other Lies We Tell Ourselves" (eu sou especial e outras mentiras que contamos a nós mesmos, em português), O'Connell admite que, durante anos, dizia que seus movimentos limitados eram a sequela de um acidente.
Seu alter ego na TV usa a mesma desculpa, mas ele não tem pudor de se assumir gay. Entretanto, é um desastrado em matéria de amor e sexo: tímido, inexperiente e ainda preso à barra da saia da mãe, só consegue construir um relacionamento significativo com uma colega de escritório.
A mãe, Karen (Jessica Hecht), é uma espécie de coprotagonista. Um dos episódios é todo dedicado a ela, que busca driblar a solidão tendo um caso com um vizinho.
Já "Amizade Dolorida" ganhou um bom título em português, mas o original era ainda melhor: "Bonding", que pode tanto se referir aos laços que criam entre dois amigos quanto ao ato de amarrar alguém durante uma sessão de sadomasoquismo.
O trocadilho serve à sitcom como uma luva —ou uma máscara de couro. Como as que fazem parte do figurino da dominatrix Mistress May, que cobra caro para humilhar e chicotear seus clientes. O dinheiro serve para custear os estudos de sua identidade secreta, a universitária Tiff (Zoe Levin).
A trama deslancha quando Tiff contrata um ex-colega de escola, Pete (Brendan Scanell), como assistente. O rapaz acabou de sair do armário, mas ainda treme quando confrontado com o sexo.
Tanto "Amizade Dolorida" quanto "Special" seguem a trilha aberta pela britânica "Sex Education", também da Netflix: riem do início da vida sexual e se prestam a ousadias.
Há um episódio de "Special" em que Ryan, desesperado para perder a virgindade, contrata os serviços de um prostituto. O resultado é uma cena de sexo anal que beira o pornô soft, mas que exala candura.
"Amizade Dolorida" vai mais longe. A dominatrix e seu ajudante dispõem de um vasto arsenal para agradar à exigente clientela: cordas, fantasias de pinguim, plumas que fazem cócegas, urina e até mesmo um pouco de violência física.
Com tão poucos e curtos episódios, nenhum dos dois programas se aprofunda em seus personagens. Às vezes, fica a sensação de que uma determinada situação poderia ser melhor desenvolvida ou que um final foi abrupto demais.
Em contrapartida, não há enrolação. Se vistas de uma vez, elas têm a duração de um longa. Ambas fazem rir e pensar um pouco, o que já é bastante.
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