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Com 'Bacurau', Kleber Mendonça mostra Brasil cindido e armado em Cannes

Três anos após 'Aquarius', diretor volta a disputar a Palma de Ouro com filme mais alegórico

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O diretor Kleber Mendonça Filho e a produtora francesa Emilie Lesclaux chegam para a exibição de 'Bacurau'
O diretor Kleber Mendonça Filho e a produtora francesa Emilie Lesclaux chegam para a exibição de 'Bacurau' - Alberto Pizzoli/AFP
Cannes (França)

Bacurau”, filme que marca o retorno do diretor Kleber Mendonça Filho à disputa pela Palma de Ouro, é um western —ou melhor, um “nordestern”— que presta homenagem ao cangaço e mostra um Brasil distópico, com rixa acirrada entre Norte e Sul, e armado até o talo. Não faltará quem veja aí ecos do país sob o governo Bolsonaro, ainda que o projeto date de 2009.

Aplaudidos ao fim da sessão de gala do longa, Mendonça Filho e equipe se emocionaram. O diretor disse achar "Bacurau" um filme importante para os brasileiros, por ser um longa também sobre educação.

A produção, que o pernambucano dirigiu em parceria com o conterrâneo Juliano Dornelles, estreou no Festival de Cannes nesta quarta (15). Desta vez, no entanto, sem protesto no tapete vermelho, como ocorreu três anos atrás com o ruidoso ato anti-impeachment que precedeu a estreia de “Aquarius” no evento. A atriz Sonia Braga, que havia marcado presença naquele ano e que também está no elenco da nova produção, tampouco compareceu. Teve compromissos em Nova York.

 

O novo longa representa uma inflexão na obra dos dois diretores, que até então ambientavam suas tramas no Recife e voltavam suas lentes para as distorções da vida urbana brasileira. Agora deslocam a ação para uma cidadezinha fictícia no sertão e deixam de lado o drama social para abraçar de vez as convenções do chamado cinema de gênero.

Bacurau, nome de um pássaro noturno e dos ônibus do último horário na capital pernambucana, é o vilarejo isolado onde a trama se passa. Logo após a morte de Carmelita (Lia de Itamaracá), nonagenária que é uma espécie de matriarca local, os habitantes do povoado, entre eles Domingas (Sonia Braga), se dão conta de que o lugar sumiu dos mapas. É mais um problema, que se soma ao desabastecimento crônico e ao descaso de um prefeito corrupto.

A nova ameaça, como logo se perceberá, tem a ver com os planos de agentes estrangeiros apoiados por dois subservientes do Sudeste (Karine Teles e Antonio Saboia). A esperança do povo daquela cidade reside no fora da lei Lunga (Silvero Pereira), que vive proscrito numa espécie de fortaleza, e na união de seus habitantes contra o que vêm de fora dali.

De tom mais cômico que os longas pregressos de Kleber, “Bacurau” é também mais hermético que “O Som ao Redor” e “Aquarius”. O cineasta parece ter escolhido trocar um cinema repleto de mensagens diretas, muitas vezes expressas sem rodeios na boca dos personagens do seus títulos anteriores, por um outro com referências mais alegóricas.

Ainda assim, é um filme de tese. A cidade sertaneja onde tudo se passa representa um Brasil tradicional, com aparente igualdade racial e ligado às suas raízes, que corre o risco de sucumbir diante do imperialismo tanto dos que falam outra língua quanto dos que vêm do Sul do país, entreguistas e presunçosos.

O cangaço, evocado na figura de Lunga e nas imagens de cabeças decepadas ao pé da igreja, surge como revide cultural de um povo acossado e historicamente menosprezado. A dúvida é como signos tão brasileiros vão ecoar em plateias estrangeiras.

Entre a imprensa internacional, "Bacurau" colheu críticas majoritariamente elogiosas em veículos especializados como o site IndieWire e The Wrap.

O britânico The Guardian deu ao filme 4 de 5 estrelas (mais do que para "Os Mortos Não Morrem", de Jim Jarmusch) e apontou que a obra é um "trauma alucinatório" dotado de "clareza implacável e força".

A revista Screen cravou que a obra faz um "comentário confrontador sobre o rumo que o país está tomando na era Bolsonaro".

Já a Hollywood Reporter foi menos condescendente e criticou o retrato que os diretores fizeram dos estrangeiros. "O Brasil tem uma longa tradição de crítica antiamericana, por razões compreensíveis, mas essa sátira só parece terrivelmente desajeitada".

Enquanto exibe seu filme em Cannes, Kleber responde no Brasil a um processo envolvendo as contas de seu primeiro longa, “O Som ao Redor” (2012).

A Secretaria Especial da Cultura, que hoje substitui o Ministério da Cultura, acusa a produtora do cineasta de ter captado R$ 1 milhão de forma irregular num edital para filmes de baixo orçamento e exige que ele devolva, em valores atualizados, R$ 2,2 milhões. O diretor afirma que sofre acusações injustas e ainda pode recorrer ao Tribunal de Contas da União.

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