László Nemes, diretor de 'O Filho de Saul', evita narrativa fácil em seu 2º longa

Após Oscar e prêmio em Cannes com filme de estreia, húngaro busca desconforto do público em 'Entardecer'

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 László Nemes, diretor de 'O Filho de Saul' e 'Entardecer'
László Nemes, diretor de 'O Filho de Saul' e 'Entardecer' - Divulgação
Veneza

Ganhar um Oscar e o Grande Prêmio do Júri em Cannes pelo filme de estreia pode parecer mero devaneio de iniciante, mas o húngaro László Nemes realizou a proeza. Agora, o diretor de "O Filho de Saul" (2015) vê que um êxito tão grande cobra o preço —a expectativa pelo segundo filme é ainda mais implacável.

Já devia imaginar isso antes de rodar "Entardecer", que estreia agora no Brasil. Mas deu de ombros. Fez um filme de narrativa complexa, talvez ainda mais austero do que o anterior, sem facilitar a vida do público.

"Todo filme deveria desafiar a maneira de fazer cinema. Se é só entretenimento, tudo bem, mas acho que o cinema tem uma essência de inventividade que solicita que se corra riscos, que deixe o público fora de equilíbrio", diz Nemes.

A entrevista este repórter foi no último Festival de Veneza, onde "Entardecer" ganhou o prêmio da crítica. Mas, desde então, o longa tem sido recebido com reações polarizadas por onde estreia, em carreira bem menos unânime que a de "Saul".

O pano de fundo é o Império Austro-Húngaro às vésperas da Primeira Guerra. A jovem Irisz chega a Budapeste com o sonho de trabalhar em uma sofisticada loja de chapéus, mas uma descoberta muda o foco —ela tem um irmão, cuja identidade desconhece.

Em busca do rapaz, seu périplo é marcado por encontros com personagens estranhos, suspeitos, que lhe dão informações pela metade e desaparecem. Quase que de uma maneira coreografada, o filme retoma diversas vezes essa estrutura de cena, que surge em novas situações --mais insólitas e sufocantes.

"De certo modo, o filme é uma repetição da mesma cena, mas de formas distintas. A protagonista tenta encontrar o caminho dela naquele labirinto, que é ela mesma e aquela situação. É uma espécie de dança, bela e desesperançada. A estranha dança das pessoas", diz o diretor.

"Desenho as cenas o máximo possível antes de filmar, depois estabeleço uma coreografia para elas. O começo e o fim, os pontos de colisão que são unidos por outras tomadas. É tudo muito imersivo, subjetivo e dinâmico."

Solícito ao falar da forma, Nemes é menos interessado em esmiuçar o conteúdo. "Se você quer entender exatamente tudo, foi ao filme errado. Realmente acredito no cinema que pode abrir possibilidades, novas jornadas ao público. Para isso, você precisa abrir mão de códigos antigos. Corro o risco do fracasso, mas ao menos estou tentando."

Irisz se destaca pela tenacidade e altivez. Uma mulher empoderada em plena década de 1910. "Na época, mulheres eram muito codificadas, para o bem e para o mal. Evitei separar esses lados, quis ver como essa criatura tão inocente, feminina, poderia encontrar esse lado mais sinistro, obscuro em si mesma."

Para criar o ponto de vista feminino, o diretor se valeu de lembranças da avó. "Ela me contava histórias de quando era jovem e sobreviveu a regimes autoritários. Isso me deu o ângulo de uma versão feminina, muito frágil, naquele turbilhão da civilização."

Nemes acredita que o mundo no início deste século parecia seguir caminhos auspiciosos, mas que a humanidade sabotou suas próprias conquistas —algo que se repete hoje.

"O homem ficou esperançoso com sua própria capacidade de descoberta. O problema é que as pessoas não viam que, paralelamente, havia potencial para sua própria destruição. É algo que sempre retorna, faz parte da alma humana."

Entardecer (Napszállta)

  • Quando Estreia nesta quinta (2)
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Susanne Wuest, Vlad Ivanov, Urs Rechn
  • Produção Hungria, 2018
  • Direção László Nemes

 

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