Lauryn Hill segue influente mesmo sem lançar discos e faz show em São Paulo

Cantora americana coleciona polêmicas e mantém rotina de apresentações com apenas um trabalho em estúdio

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Lauryn Hill
Lauryn Hill, que está em turnê em comemoração dos 20 anos de seu primeiro álbum solo - Reprodução
São Paulo

"Entendi que criei essa persona pública, essa ilusão pública, e ela me fez de refém. É como se eu não pudesse ser uma pessoa real porque estava com muito medo do que o público diria."

A fala da americana Lauryn Hill, de 2001, é um dos muitos interlúdios de "MTV Unplugged No. 2.0" (2002), disco acústico e ao vivo gravado na época em que ela colhia os frutos de seu primeiro --e único-- disco de estúdio, o histórico "The Miseducation of Lauryn Hill" (1998). A cantora vivia o auge, mas dava dicas de como seriam seus próximos anos.

Com cinco Grammys na estante, ela praticamente abandonou o estúdio e a mídia, mas continuou fazendo shows esporadicamente. Sua atual turnê chega nesta sexta-feira (3) a São Paulo, depois de passar por Porto Alegre, celebrando duas décadas de "The Miseducation".

A apresentação é basicamente uma reunião dos hits da cantora, que nos anos 1990 vendeu milhões como parte de um dos grupos fundamentais do R&B, o Fugees. Ela volta ao Brasil seis anos depois da última passagem pelo país e depois de rodar o mundo com a atual turnê.

 

Se a obra de Lauryn ficou limitada a poucas faixas, sua influência se multiplicou ao longo dos últimos anos.

Em 2004, Kanye West sampleou "The Mystery of Iniquity" em uma de suas músicas mais famosas, "All Falls Down". No ano passado, Drake e Cardi B acumularam centenas de milhões de visualizações com, respectivamente, "Nice For What" e "Careful", singles construídos em torno de outra música de Lauryn, "Ex-Factor".

Mas a influência da cantora não pode ser calculada por Grammys ou números. Com apenas 23 anos, idade que tinha quando lançou "Miseducation", ela revolucionou o hip-hop, aproximando o gênero do mainstream —espaço que não deixou de ocupar até hoje—, misturando-o com R&B, reggae, jazz, soul, funk e praticamente tudo que a música negra ofereceu.

Lauryn também humanizou o rap, trazendo mais questões pessoais ao ponto de vista de um MC —e não apenas às percepções sociais. Ela rimou sobre dores e decepções, fé e filosofia, felicidade e romances, em um retrato cru e direto de uma mente complexa e apaixonada.

Dez em dez mulheres que fazem hip-hop atualmente, incluindo brasileiras como Karol Conka, Drik Barbosa e Tássia Reis, por exemplo, apontam Lauryn Hill como uma de suas principais influências. É chover no molhado dizer que a cantora escancarou de maneira inédita as portas para o cada vez mais crescente número de mulheres que pegam um microfone para rimar. Não apenas no rap, mas também no R&B.

Ao longo dos anos, Lauryn se envolveu em diversas polêmicas, como quando foi processada por integrantes de sua banda, alegando que ela teria "roubado" as músicas deles sem dar os créditos.

Teve seis filhos, sendo que o primeiro deles, Zion, foi fruto de um relacionamento dela com Rohan, um dos filhos de Bob Marley. Na época, a cantora mentiu dizendo que Wyclef Jean, ex-companheiro dela no Fugees, e com quem tinha um caso, era o pai de Zion. Em 2013, foi presa por três meses devido a problemas com o pagamento de impostos. Isso sem contar a fama de encrenqueira e os longos e frequentes atrasos para subir no palco em seus shows.

No ano passado, ela publicou um texto no Medium respondendo às acusações de um antigo companheiro de banda, o pianista Robert Glasper, comentando tudo o que se fala sobre ela. Foi um desabafo sobre ser uma mulher negra na indústria da música.

"Como muitas pessoas negras, trabalho para resolver meu próprio transtorno de estresse pós-traumático", ela confessou. Lauryn também falou sobre vícios, sem detalhar o assunto, dizendo que, no meio dos anos 2000, o ambiente em que ela vivia, "operava mais como uma clínica de reabilitação do que como uma after-party".

Na carta, Lauryn fez uma defesa da pessoa problemática que aparenta ser, sempre atrelando a força de sua obra ao seu estado de espírito.

Em "Unplugged", disco que foi um fracasso de vendas e brecou sua carreira, ela cantou acompanhada de um violão, sem nenhuma banda ou músico de acompanhamento.

Lauryn passa boa parte desse álbum conversando com a plateia e mostrando um repertório inteiro de músicas inéditas, desconhecidas. Posteriormente, ela chegou a admitir que sequer tinha títulos para as canções e que os temas tratam de sua própria depressão, confusão mental e até escândalos públicos (como o do filho Zion).

Fora isso, ela ainda estava com uma voz rouca, que falhava conforme ela se expressava mais veemência.

Com o passar do tempo, o álbum ao vivo deixou de ser um fiasco para se tornar um clássico registro de como um artista pode soar vulnerável e dolorosamente sincero em cima de um palco. "Aquele disco ajudou muitas pessoas que passavam por momentos difíceis, dando contexto e falando sobre assuntos velados", ela escreveu no Medium.

Lauryn, como raramente havia feito, defendeu o próprio legado. Disse que "Miseducation" foi seu único disco de estúdio, mas "certamente não foi a única coisa boa" que fez: "Mostre-me um artista atual cujo trabalho não tenha sido diretamente influenciado pela minha obra e lhe mostrarei um artista que foi influenciado por um artista que foi diretamente influenciado pela minha obra".

Quando subir ao palco do Espaço das Américas, em São Paulo, com ingressos esgotados, a cantora vai mostrar versões diferentes das originais de "Miseducation".

Foi o jeito que ela encontrou de continuar tocando as mesmas músicas sem "virar um robô". Os arranjos modificados podem não agradar, mas para Lauryn sempre importou mais o sentimento do que qualquer questão técnica.

Ela disse em "Unplugged": "Achava que, estando rouca, eu não poderia cantar. É mentira. Soo como uma cantora com um monte de coisas engasgadas".

Ainda relevante, Lauryn Hill continua uma apaixonada —para o bem e para mal.

Lauryn Hill

  • Quando Nesta sexta (3), às 23h (abertura dos portões às 20h30)
  • Onde Espaço das Américas (Rua Tagipuru, 795, São Paulo)
  • Preço Ingressos esgotados
  • Classificação 18 anos

FAMA DE ATRASADA

Desde sempre, mas especialmente na atual turnê, comemorando os 20 anos de seu único disco de estúdio, Lauryn Hill carrega uma fama de atrasada.

Ela costuma demorar horas para subir ao palco. Na apresentação que fez nesta semana em Porto Alegre, foram apenas 40 minutos de demora.

Em um texto publicado no Medium, em 2018, a cantora defendeu seus atrasos dizendo que seu show depende muito de seu estado de espírito e que gosta de trocar os arranjos das músicas de "The Miseducation of Lauryn Hill".

"Gosto de mudar meu show regularmente, com novos arranjos e músicas, mas isso gera longas passagens de som, que geram uma demora na abertura dos portões, que faz com que o show comece mais tarde."

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