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Mary Del Priore desmistifica José Bonifácio como o intelectual da colônia

Historiadora lança biografia sobre o chamado patriarca da Independência

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Buenos Aires

Em "As Vidas de José Bonifácio", da historiadora Mary del Priore, aquele que ficou conhecido e até hoje é alabado como o patriarca da Independência tem sua personalidade e sua trajetória matizadas, mostrando nuances que com o tempo desapareceram.

Na obra, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) surge como um sujeito ambicioso, menos intelectualizado do que se supõe e não tanto o estrategista que teria desenhado os rumos do Brasil antes da separação com Portugal. Também sua relação com a imperatriz Leopoldina surge mais tênue do que a que se mostra nos livros de história.

"Com o tempo foram transformando Bonifácio em uma estátua, e mistificá-lo não é o caminho", diz a historiadora, em entrevista por telefone.

A historiadora Mary del Priore, que lança biografia de José Bonifácio - Adriano Vizoni/Folhapress

O livro trata de mostrar o contexto dos lugares em que Bonifácio se formou e foi construindo sua história. Começa em Santos, naquela época ainda muito provinciana, onde teve uma infância sem livros e sem muitos recursos para aprender.

Depois segue em Coimbra, onde foi a uma universidade que estava muito atrasada com relação a outras na própria Europa. Em Portugal, teve dificuldades de conseguir uma posição e ganhar dinheiro.

"Ele era nessa época um jovem como qualquer outro vindo da colônia, com muita ambição e muita vontade de encontrar um meio de subir na vida, ter títulos, juntar riqueza, mas os trabalhos que conseguia eram muito ruins ou não lhe pagavam quase nada."

Depois, retorna ao Brasil e vai parar na corte imperial, no Rio de Janeiro, em tempos turbulentos da história do país.

"É certo que lhe faltaram leituras na juventude, por outro lado ele percorreu a Europa em momentos muito cruciais daquele tempo. Esteve em Paris depois da Revolução Francesa, percorreu a Prússia e a Saxônia. As viagens e o conhecimento do mundo foram dando-lhe uma visão mais aberta e global", diz a autora.

Bonifácio volta ao país após 34 anos vivendo na Europa, com uma amargura e um sentimento ambíguo com relação a Portugal e ao Brasil, que considerava atrasados.

Durante toda a vida, fez anotações e observações sobre o que via e vivia. Porém, para um historiador, esses escritos não são fáceis de percorrer.

"É um personagem rico para acompanhar, mas o problema é que não datava nenhum de seus escritos, e, como tinha muitas mudanças de pensamento e de temperamento, foi difícil encaixar cada um nos tempos a que correspondem", diz Del Priore.

Bonifácio era, por exemplo, favorável à abolição, mas defendia que fosse realizada de forma lenta e gradual. Sobre a Independência, a autora crê que o personagem embarca nessa ideia ao ver a pressão do Reino Unido. Aos poucos, convence dom Pedro 1º da ideia.

Del Priore, porém, não vê no personagem um estrategista, e sim alguém que percebeu as viradas históricas que estavam ocorrendo e que, por causa disso, quis que o Brasil fosse independente. A historiadora também relativiza que fosse um intelectual refinado.

"É um homem que cresceu sem leituras, que tinha irmãos muito violentos, que andavam com capatazes. Em Portugal, seus estudos foram lacunares. Não vi evidências de que falasse muitas línguas. Francês, com certeza; inglês, tenho sérias dúvidas."

Imagem de José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca da Independência - Reprodução

Mesmo com relação à Independência, da qual é conhecido como o mentor, Del Priore relativiza sua importância. "Era algo que já estava se concretizando na prática, não foi necessário tanto esforço."

A autora, que foi professora do departamento de história da Universidade de São Paulo, hoje se dedica a escrever livros de divulgação da história brasileira. Entre suas obras estão "O Príncipe Maldito", sobre o neto de dom Pedro 2º que sonhou em ser rei e ficou louco, morrendo numa clínica psiquiátrica, e "Condessa de Barral", sobre a amante do imperador.

A historiadora faz críticas ao atual governo brasileiro. "Uma figura como esse chanceler [Ernesto Araújo], que afirma o nazismo ser de esquerda, é um absurdo e uma vergonha. Claramente é uma pessoa que carece de formação histórica", afirma.

Ela acrescenta que os problemas da educação brasileira hoje não são ideológicos, como quer fazer parecer o governo. "Temos pouca renovação e pouco investimento em pesquisa. Além disso, há pouco apreço da população em relação ao aprendizado."


As Vidas de José Bonifácio

Autora: Mary del Priore. Editora Estação Brasil. R$ 35,92 (328 págs.). Lançamento na quarta (15), às 19h, na livraria Martins Fontes (av. Paulista, 509, São Paulo)

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