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'O Sétimo Guardião' chamou mais atenção por surubão do que por trama

Com produção requintada e perto do fim, novela foi anunciada como a grande volta de Aguinaldo Silva ao realismo mágico

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São Paulo

Anunciada como a grande volta de Aguinaldo Silva ao realismo mágico, a novela "O Sétimo Guardião" flopou.

Mesmo com produção requintada, estacionou entre as cinco piores audiências do horário e ocupou mais a mente do público com fofocas sobre "surubões" e "dark rooms" do que pela trama sobre gatos fantásticos e fontes curativas.

A frustração foi tamanha que os atores supostamente ouviram um pedido de desculpas dos diretores da novela, mas a Globo nega que isso tenha acontecido. Houve ainda farpas trocadas por membros do elenco —Lilia Cabral teria chamado a colega Marina Ruy Barbosa de "mimada".

É fato que "O Sétimo Guardião" foi alvo de uma "pré-novela", anos antes de estrear. A história nasceu de uma oficina ministrada por Aguinaldo há quatro anos. Um dos alunos reivindicou coautoria na sinopse da tal fonte mágica escoltada por sete guardiães. O caso foi parar até na Justiça.

Seja como for, o público não embarcou nessa trama. Ficou mais interessado em acompanhar a separação do ator José Loreto, então casado com Débora Nascimento, e a suposta relação extraconjugal do galã com Marina Ruy Barbosa.

O episódio fez surgir nas redes sociais a suposição de que haveria um "surubão de Noronha" —referência às festas de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank na pousada do casal em Fernando de Noronha— e um "dark room", um quarto escuro nos estúdios da Globo onde todo o tipo de aventura sexual poderia acontecer.

Em tom de chacota, os atores da novela entupiram seus perfis nas redes sociais com menções a essa boataria. Essa foi a parte mais divertida de "O Sétimo Guardião".

Esta repórter tentou ouvir o autor e o diretor do departamento de teledramaturgia, Silvio de Abreu, para saber qual avaliação eles fazem da novela. Envolvido com a tarefa de escrever os últimos capítulos sozinho, sem colaboradores e por vontade própria, Aguinaldo pediu que as questões fossem encaminhadas à Globo.

O canal se limitou a informar que "está satisfeito com o resultado". E nega que tenha havido uma reunião, há cerca de dois meses, em que parte do elenco foi chamada pelos diretores da novela, sem a presença do autor, para ouvir desculpas pelos rumos da trama.

Aos atores teriam dito que Aguinaldo se recusara a fazer mudanças indicadas pelas pesquisas realizadas entre grupos de telespectadores, como se ele fosse culpado pelo desandar da carruagem.

"A citada reunião não foi para tratar do texto nem de mudanças na trama da novela", informa a Globo, em nota. O motivo teria sido para "agradecer o empenho, o compromisso e a disponibilidade de todos, e discutir as medidas de produção cabíveis para aliviar as rotinas de trabalho".

Os desencontros nas gravações foram outro fator de discórdia. Embora Aguinaldo tivesse mais de 70 capítulos escritos quando a novela começou, mudanças operadas já a partir do primeiro mês sacrificaram várias sequências.

A produção pediu até que um grupo de atores fizesse uma espécie de hora extra, e Marina Ruy Barbosa respondeu que se atrasaria por causa de compromissos. Lilia Cabral teria chamado a colega de "mimada", e a Globo tratou de pôr panos quentes em mais esse enredo.

Isso sem contar o problema da autoria, que já movimentava os bastidores antes da estreia de "O Sétimo Guardião".

Por várias vezes, Silvio Cerceau, ex-aluno da oficina de Aguinaldo, disse que a novela não iria ao ar sem o reconhecimento que lhe cabia. O autor até apresentou outra sinopse. Mas Silvio de Abreu insistiu que a novela era "ótima".

Cerceau conseguiu a adesão de colegas, que festejaram a presença de todos os créditos no fechamento da trama como cocriadores da sinopse.

Entre os ex-alunos do dramaturgo Aguinaldo Silva, são várias as explicações para o fracasso de "O Sétimo Guardião".

"A novela foi vítima dessa novela anterior, que dizia respeito à autoria", diz o roteirista Julio Kadetti, um dos 26 alunos do curso em Petrópolis, no Rio de Janeiro. "Parece que todos os sites estavam torcendo contra o Aguinaldo, que não merece levar sozinho a culpa pelos erros."

Outro ex-aluno, que pediu anonimato, acredita que o autor mexeu tanto no DNA da trama, justamente na questão da fonte, e talvez até para fugir da criação originada em sala de aula, que ele acabou criando um Frankestein.

"A história era sobre uma fonte da juventude, que depois virou uma fonte curativa. Mas por que as pessoas esconderiam uma fonte que promove a cura?", questiona. "Não faz sentido, não tem o mesmo apelo de uma fonte usada para se manter jovem."

Procurado, Silvio Cerceau, autor da ação movida contra o autor, não respondeu à solicitação de entrevista.

Outro ex-aluno, André Wacemberg, roteirista que vive em Los Angeles há 15 anos, observou que faltaram "ganchos", isto é, situações de suspense para prender a audiência no fim dos capítulos.

"Quando você faz uma série, são 13 episódios para cada temporada. A chance de trabalhar isso é muito maior. Uma novela tem seis capítulos por semana, seis meses no ar; é impossível preparar o elenco na medida necessária, quando se quer um resultado de qualidade. Por esse parâmetro, acho até que 'O Sétimo Guardião' não foi tão mal."

"À certa altura, com a fonte tão sem utilidade na história, sugeri a Aguinaldo que fizesse a fonte secar de uma vez", conta Wacemberg. "Não sei se foi pelo que eu disse, mas a fonte secou algumas semanas depois. O que era para ser o grande foco de suspense da história ficou sem apelo, sem razão de existir."

Ele menciona o grande número de atores que ficaram subaproveitados em cena. "Não é possível criar uma trama para dez protagonistas", diz.

Por fim, mas não menos importante, o roteirista cita que a Globo tem sido muito hostilizada pela polarização ideológica do país. "O 'BBB' foi mal de audiência, as novelas das sete e a das seis também sofreram. Acho que a emissora enfrenta uma resistência de uma parte do público por questão política", afirma.

De certa forma, autores de novelas, produções que se prolongam por mais de oito meses, da pré-produção à exibição do último capítulo, estão habituados a lidar com obstáculos nos bastidores.

O próprio Aguinaldo, em "Império", trocou a protagonista no meio da história. Drica Moraes, com problemas de saúde, foi substituída por Marjorie Estiano, como se a personagem tivesse passado por uma grande cirurgia plástica.

O público riu, mas, embarcado que estava na trama, seguiu adiante, e a audiência não patinou. No caso de "O Sétimo Guardião", os episódios por trás das câmeras acabaram se tornando mais saborosos do que a ficção em torno do gato que vira gente.

"Quando criamos essa sinopse em sala de aula e cada um ia mencionando uma ideia, Aguinaldo ia dizendo: 'isso funciona', 'isso não funciona', 'vamos mudar isso para aquilo'. Mas todo mundo saiu de lá achando tudo muito bom", lembra Wacemberg.

"Na Globo, dizem que você tem o valor do seu último fracasso ou do seu último sucesso. O fato é que o Aguinaldo acumula muitos sucessos", diz o outro ex-aluno, Julio Kadetti.

Ele encara essa novela de modo positivo porque o autor conseguiu driblar a mesmice e por ter se arriscado em elementos do sobrenatural.

O roteirista evoca o personagem vivido por Fábio Jr. em "Pedra sobre Pedra", escrita por Aguinaldo em 1992, que foi outra trama com elementos de realismo fantástico. "Assim como até hoje as pessoas ainda se lembram da flor do Jorge Tadeu, daqui a 20 anos vão se lembrar da fonte e do gato que virava homem", aposta.


Ranking noveleiro

28,7 pontos é a média de audiência de 'O Sétimo Guardião'

33,3 pontos foi a média de audiência de 'Segundo Sol', sua antecessora na faixa

37,8 pontos foi a média de audiência de 'O Outro Lado do Paraíso' (2017-2018)

35 pontos foi a média de 'A Força do Querer' (2017)

25,4 pontos foi a média de audiência de 'Babilônia' (2015)

*Média válida até o capítulo 147 das novelas (cada ponto equivale a 73 mil domicílios na Grande SP)

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