Séries refletem ascensão das mulheres depois do #MeToo

'Assédio' e 'Boneca Russa' marcam momento de reflexão sobre papéis femininos

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Adriana Esteves em cena da série

Adriana Esteves em cena da série "Assédio", da Globo Ramon Vasconcelos/Rede Globo

São Paulo e Rio de Janeiro

​​Passado mais de um ano da contundente manifestação de atrizes e diretoras em Hollywood contra o assédio masculino e os dogmas de uma enrugada cultura machista, duas séries de TV exibidas no Brasil carregam a simbologia de representar a força de trabalho feminina, com desdobramento no conteúdo do que vai ao ar.

Ambas são dirigidas, roteirizadas e protagonizadas por mulheres. “Assédio”, que passa a ser exibida pela Globo a partir desta sexta (3), já disponível na Globoplay, retorna ao escândalo que envolveu o médio Roger Abdelmassih, condenado na Justiça por ter abusado de dezenas de mulheres e estuprado 52. 

A americana “Boneca Russa”, por sua vez, procura outro viés e revela, em sua trama, o perfil de uma mulher independente, vítima das próprias falhas antes de tudo e livre de autoridades representadas pelas figuras do pai, do chefe e do cônjuge.

São produções que refletem um avanço delas no mercado e na conquista de direitos no ambiente de trabalho. Adriana Esteves, protagonista de “Assédio”, diz que a série é “reflexo da necessidade da mulher falar e não deixar escondida nenhuma violência”.

Ela localiza a produção em uma atmosfera modificada pela repercussão do #MeToo. “[A manifestação] teve impacto extremamente positivo. A união dessas mulheres, embora estejamos muito longe de chegar em ausência de criminalidade, tornou essa luta aberta. Ela está escancarada.”

Adriana não conhece “uma mulher que não tenha sido assediada”. Para ela, “uma mulher que diz que não sofreu assédio pode estar evitando dizer a verdade pois o assunto é doloroso —ou acredita que aquilo que ela viveu é normal, como muitas pessoas acham”. 

O assédio masculino foi uma constante nos seus 30 anos de carreira. “Posso dizer que não foi nem uma, nem duas, nem três vezes. Foram muitas”, diz. 

E, agora, “os homens estão mais cuidadosos”. “Tem homem que dizia ‘mas eu não sabia que aquilo que eu estava fazendo era assédio’’’, conta. “Não sabia? Pois fique sabendo, então. Está sabendo tarde. Eles estão com medo. Estou adorando.”

Para revisitar as denúncias contra Abdelmassih e transformá-las em ficção, a Globo formou uma equipe essencialmente feminina: a série é roteirizada por Maria Camargo e dirigida por Amora Mautner.

Camargo criou o roteiro a partir de duas curvas. Em um arco, quando a trama começa, as mulheres estão por baixo e em um movimento descendente, e o vilão, Roger Sadala​, interpretado por Antonio Calloni, está em uma curva ascendente —é famoso e usufrui de grande prestígio. 

A partir de um momento, quando uma repórter (Elisa Volpatto) inicia uma investigação, essas curvas vão se inverter. Ele vai entrar em declínio e as mulheres, suas vítimas, vão entrar em ascensão, até a vitória. No elenco também estão Paolla Oliveira, Vera Fischer e Bárbara Paz.

“Você poderia fazer vários filmes sobre um estuprador em série”, diz Camargo. “Não me interessava isso. Meu interesse passou a existir a partir do momento em que essas mulheres têm uma atuação determinante na condenação dele. Foi uma força coletiva. Não foi uma mulher só, o que já seria interessante, mas foi uma mulher que se somou à outra e à outra e à outra.”

Outra influência do olhar feminino sobre a série é a opção de uma estética tétrica. “Como não suscitar em nenhuma cabeça torta um sentimento sexual [nas cenas de estupro]. Criei uma atmosfera de IML”, diz Mautner, ao explicar a coloração fria e o minimalismo cenográfico da série.

O mesmo guarda-chuva de uma expressão feminista no audiovisual segue por caminho totalmente diferente em “Boneca Russa”, em que o esforço foi para afastar a influência dos homens na trajetória de uma personagem.

“Em geral, personagens femininas são definidas sob as circunstâncias que os personagens masculinos imputam a elas. Mesmo quando há uma protagonista forte, o marido, o pai ou o chefe dela está por trás de suas ações, muitas vezes como um personagem que dá início à sua jornada”, diz Leslye Headland, que assina a criação da série com Natasha Lyonne e Amy Poehler.

O programa mostra uma mulher (Lyonne) que vive uma espécie de pesadelo. Ela morre logo nos primeiros minutos após o início da história, só que “ressuscita” na sequência, na mesma situação em que estava no ponto inicial da trama, durante uma festa para comemorar o seu aniversário.

A personagem morre diversas vezes, e a história recomeça no mesmo ponto. Há menções explícitas aos vícios, às drogas, ao álcool. Por sua estrutura, a série faz lembrar o filme “Feitiço do Tempo”, aquele em que Bill Murray acorda sempre no mesmo dia, quando é celebrado, com passeata, o Dia da Marmota.

A história de “Boneca Russa” também nos passa a sensação de um confinamento temporal, e Headland diz que a intenção era ter radicalizado ainda mais. “Ela não conseguiria nem sequer sair da festa de aniversário nesse looping, o que para nós remeteria ao ‘Anjo Exterminador’, de Buñuel. Para uma série, que envolve horas de trama, isso não foi possível”.

O que se desmancha nesse vertiginoso castigo que enreda a protagonista é sua submissão a vontades alheias. “Falamos aqui de quem cria uma persona para agradar, mesmo que nesse processo esteja negando sua felicidade ou senso de identidade”, conta.

Conforme a história evolui e vamos mais fundo nos problemas da personagem, “descobre-se a raiz de sua crise na figura materna, e não na paterna. Fizemos questão que fosse assim”, diz Headland. 

O jornalista viajou a convite da Globo

Assédio

  • Quando Toda sex., na faixa das 23h
  • Onde Globo (também na Globoplay)

Boneca Russa

  • Onde Disponível na Netflix
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