'Tunga' foge do rótulo de documentário ao explorar obra do artista

Sem comprometer-se com a linguagem jornalística, filme traz uma cacofonia de imagens e sons

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Cena do documentário "Tunga, o Esquecimento das Paixões"
Cena do documentário "Tunga, o Esquecimento das Paixões" - Gabi Carrera/Divulgação
São Paulo

“Sempre gostei de bagunça”, dizia com frequência o artista plástico Tunga (1952-2016) ao ser perguntado sobre a própria obra. O documentário mais recente produzido sobre ele, que teve pré-estreia organizada pela Folha no Espaço Itaú Frei Caneca na quarta-feira (8), tenta honrar essa visão estética.

“Tunga - O Esquecimento das Paixões” traz uma cacofonia de imagens e sons, sobrepondo vídeos antigos, locução em off, feita pela cantora Marina Lima, e depoimentos com críticos e amigos do artista, cujo nome era Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão.

O filme vai e volta no tempo, e não se detém em dados biográficos. O nome dos entrevistados não é revelado até rolarem os créditos. “O processo dele [Tunga] não era inteligível imediatamente. Você tinha de deixar o tempo passar”, diz uma voz. “Ele não saía da arte por um segundo. Ele era a obra dele”, diz outra.

Segundo o diretor do filme, Miguel de Almeida, a confusão foi intencional. “Embora sejam pessoas diferentes, a ideia é que fosse a mesma voz contando uma história”, disse. “Não tem comprometimento algum em fazer um documentário jornalístico.”

Em vez disso, explicou, a narrativa apresentada “procura emular a física quântica” ao brincar com imagens que se juntam e soltam, como partículas.

A concepção inicial do filme foi pensada em conjunto com o próprio Tunga, poucos meses antes de sua morte. Almeida planejava fazer um “documentário fake” chamado “Tunga e as Aventuras Cabralinas”, que misturaria a vida do artista com a de seu pai, o jornalista e poeta Gerardo Melo Mourão.

A morte de Tunga mudou o foco para um filme biográfico focado na sua obra, ainda que fuja da linguagem convencional da cinebiografia. Para o cineasta Ugo Giorgetti, que debateu o filme com Almeida após a sua exibição, Tunga tinha em seu trabalho uma inspiração católica e claramente medieval. Prova disso seria o seu gosto pelas performances, que rendem algumas das imagens mais impactantes da película.

“Nada é mais parecido com o ritual religioso que a performance. Parece uma missa”, afirmou Giorgetti. “A obra dele é mística, mesmo que ele não quisesse.” Tudo no trabalho de Tunga, de seu atelier rudimentar a seus materiais preferidos — ferro, cordas, cabelos, pós e mulheres nuas — remeteria a uma “alma transgressora, sexualizada, sacana da Idade Média”.

O diretor concordou com essa tese. “Tunga não está interessado na realidade brasileira, mas em Dante. É algo muito maior”, disse.

A realidade brasileira se impôs mesmo assim. Um dos espectadores presentes na plateia relatou ter visitado as instalações de Tunga no museu Inhotim, em Brumadinho (MG), na semana anterior. Elas estavam cobertas por teias de aranha. Desde o rompimento de uma barragem da Vale na cidade, em janeiro, parte da manutenção do instituto foi suspensa.

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