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Virada Cultural reafirma conexão com quem se habituou à rua e reclama por mais espaço

Evento é resumo de São Paulo e de suas contradições e traz consigo a esperança de resgatar espírito comunitário

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José Mauro Gnaspini

Percorrer o centro de São Paulo nesta 15ª edição da Virada Cultural renova a minha sensação de que os conceitos presentes em sua criação permanecem atuais e carregados de novos sentidos.

No estranhamente já longínquo ano de 2005, nos parecia urgente uma realização que refletisse a pluralidade da capital paulista, compreendesse a heterogeneidade de gostos e hábitos culturais e capturasse 24 horas o público em seus diferentes horários de atividade. O programa da Virada não subestimaria a capacidade de escolha do cidadão nem a multiplicidade de interesses.

Observando tanta gente novamente reunida, paulistanos e visitantes, podemos supor que muitos se deslocam ao centro para encontrar atrações e artistas, mas acabam também por encontrar o próprio centro,  criando relações com a “cidade” (apelido que ainda se dá para o centro da capital), e contribuindo afetivamente para sua recuperação.

Público durante show da cantora Anitta no vale do Anhangabaú - Zanone Fraissat/Folhapress

Arrisco dizer que talvez o insistente pedido de descentralização da Virada pudesse também ser atendido.

O evento se constitui em um laboratório vivo onde se experimenta uma cidade mais horizontal, mais permeável. 

Pressupõe um voto de confiança no senso comunitário, em que o público é corresponsável pela boa experiência. A Virada Cultural contém um ensaio de urbanidade, uma oportunidade para a sociabilidade de rua e uma ocasião para aprender ou reaprender a conviver em praça pública, pelo exercício. 

Ao incluir em seu programa novas festas de rua e alguns dos grandes blocos do Carnaval, além da Paulista aberta, esta edição reafirma sua ligação com o despertar de um movimento de conquista dos espaços públicos por um público que já se habituou à rua, com uma vontade comum que redundou em inúmeras festas e feiras, sistemas de som em praças, saraus, espetáculos e artistas, que reclama por espaço nos demais dias do calendário.

Ao passar pelos palcos e atividades, encontro amigos e profissionais que seguem empenhados na realização do evento e valorizo o envolvimento dos órgãos públicos.

A programação é expressiva em diferentes dimensões: social, urbana, cultural, política, simbólica, econômica; é um dos raros exemplos de programa que foi reconhecido e mantido pelas diferentes e sucessivas gestões. 

A Virada é um resumo de São Paulo e de suas contradições, e traz consigo a esperança de que mesmo em uma cidade gigantesca, em que não mais existe a centralidade de uma única praça ou de uma igreja matriz, ainda é possível resgatar um espírito comunitário original, uma brecha de civilidade, para superar o massacre de um cotidiano previsível, para redescobrir a cidadania que nos conecta.

José Mauro Gnaspini, diretor da APAA (Associação Paulista dos Amigos da Arte), foi diretor da Virada Cultural em suas dez primeiras edições

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