Acervo da sambista Dona Ivone Lara tem canções inéditas e 27 vestidos

Nora da sambista pretende vender coleção para que documentos, fotos e roupas não se percam

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A cantora Dona Ivone Lara nos anos 1970 - Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro

Eliana Soares Martins da Costa diz que a sogra, Dona Ivone Lara, não tinha noção da própria importância —a de integrar o primeiro time dos cantores e compositores brasileiros, coautora de músicas como “Sonho Meu”, “Acreditar” e “Alvorecer”.

Coube à nora preservar, por mais de 40 anos, os vestidos, sapatos, bolsas, fotos, comendas e outros itens que ajudam a retratar quem foi a grande dama do samba. “Acho que isso tudo tem importância histórica, não podia se perder”, diz ela.

Ainda não foi feito um inventário rigoroso do que está guardado. No material estão mais de cem fitas cassete com melodias criadas por Dona Ivone. Certamente há muitas inéditas, passíveis de ganhar letra.
Pouco mais de um ano após a morte de Dona Ivone —em 16 de abril de 2018, aos 97—, Costa começa a buscar um destino para o acervo. 

No momento, ele está em dois quartos da casa onde a compositora passou os últimos 18 anos de vida.

O imóvel de dois andares fica em Oswaldo Cruz, bairro da zona norte carioca que é o berço da Portela. Na vizinha Madureira fica o Império Serrano, a escola de samba de Dona Ivone.

Costa sonha vender o acervo. Diante da situação econômica do país e das mudanças nas regras de patrocínio cultural, no entanto, não é um sonho fácil de realizar.

Mas ela alega que, para a perpetuação do material, só o seu esforço não basta. Põe os vestidos no sol para não haver risco de mofo, procura proteger da umidade os documentos e as fotos, mas faltam as condições ideais de temperatura e higiene.

Preservar 27 vestidos não é fetichismo. Há beleza e história na indumentária. Um destaque é a fantasia de baiana feita por Evandro Castro Lima, um dos mais famosos estilistas do Carnaval, e que ela usou em desfile do Império Serrano e, depois, em um show no Japão.

Há roupas que a sambista selecionava para eventos relacionados a outras escolas, como uma rosa (Mangueira) e uma azul (Portela).

O protocolo era este: Costa ou a própria artista escolhia um tecido, que se transformava em vestido após passar pelas mãos de Francisquinha, exímia costureira. Dona Ivone chegou a trazer tecidos do exterior, mas, como atesta Miriam Souza (sua empresária por 24 anos), o que ela mais gostava era de comprar perfumes em Paris, quando se apresentava na cidade.

No acervo estão cartas escritas para a família, com caligrafia elegante, em papéis de hotéis nos quais se hospedava nas turnês. Uma veio de Richmond, na Virgínia, Estados Unidos.

Entre os documentos há, por exemplo, o diploma de formação em enfermagem, datado de 13 de dezembro de 1941. Ela trabalhou com pessoas com transtornos psíquicos, tendo sido uma das 
principais auxiliares da médica Nise da Silveira.

Parte dos objetos esteve na "Ocupação Dona Ivone Lara", que o Itaú Cultural realizou em 2015. Lá, foi exposto, por exemplo, um cavaquinho que conta com assinaturas de outros grandes sambistas, como Nelson Sargento e Monarco. Hoje, quem às vezes o utiliza é André Lara, 39, neto da compositora.

Ele se tornou parceiro da avó nos últimos anos. Concluiu “Sombras na Parede”, por exemplo, a partir do que ela e Delcio Carvalho —o mais importante parceiro de Dona Ivone— haviam deixado. É uma das seis faixas de “Doces Recordações”, trabalho que André está lançando nas plataformas digitais.

Outra inédita é “Dia do Samba no Bonfim”, letra de Bruno Castro, que dividiu palcos e composições com a sambista a partir dos anos 1990.

“Mesmo com mal de Alzheimer, Dona Ivone continuava gostando de ouvir música”, diz Costa. “Se escutasse alguém cantando errado, corrigia. E gostava de conversar. Mas quando o papo estava muito chato, ela fingia estar dormindo.”

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