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Cinema

'Beatriz' é um filme correto e limpo, mas chocho

Longa traz Marjorie Estiano cercada por bom elenco de apoio português e espanhol

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Beatriz

  • Classificação 16 anos
  • Elenco Marjorie Estiano, Sergio Guizé, Beatriz Batarda
  • Produção Brasil, 2015
  • Direção Alberto Graça

Em “Beatriz”, uma jovem advogada (Marjorie Estiano) troca o Rio por Lisboa acompanhando o escritor Marcelo (Sergio Guizé). Ela se submete a um emprego subalterno pelo prazer de compartilhar as aventuras propostas pelo rapaz. Elas consistem, de início, em participar de uns tantos joguetes eróticos que servem de inspiração aos contos publicados numa revista lisboeta.

Tudo vai muito bem até que um editor espanhol vê no rapaz talento suficiente para ir mais fundo, muito fundo mesmo, no conhecimento de si mesmo. Isso implica em uma mudança de comportamento que cairá em cheio nas costas de Beatriz.

Isto é: pelo pouco que conhece do projeto, ela infere que lhe cabe tomar certas atitudes —bastante temerárias, no mais, como provocar um aborto— que, supõe, o escritor deseja que sejam tomadas, de modo a servirem de inspiração para seu voo ficcional. Não deixa de haver poesia nesse raciocínio paranoico, que, obviamente, afetará bastante a vida do casal, que vive para produzir uma ficção movida pela paixão, mas muito provavelmente destrutiva.

Isso tudo resulta em um filme correto, limpo, não acadêmico. E, no entanto, inconvincente —por conta disso, chocho.

Fosse eu um consultor de roteiros, diria que algo está errado. Mas não sou e, francamente, o que não faltou ao filme foram roteiristas. É o problema dessas coproduções internacionais com muitos sócios e em que todo mundo se mete um pouco. Mas, enfim, se me perguntassem, diria que essa ideia de amor infinito, tipo século 19, em que o apaixonado se dispõe a tudo pela relação e pelo outro, está meio fora de moda.

Por que uma jovem carioca independente largaria a família, amigos e até uma profissão promissora por um emprego subalterno em outro país? É possível, porque tudo é possível. Mas não é fácil engolir. Tal paixão precisa de muita literatura para se explicar... E isso não falta ao filme.

Poderia ser mais simples e eficaz, quem sabe, se ela se apaixonasse por um escritor bem mais velho, que exercesse sobre ela função e influência paterna. Esse escritor seria português e a dominaria a ponto de fazê-la deixar tudo para segui-lo. Ele almeja enormemente o sucesso que nunca teve, por isso seria até plausível que aceitasse a proposta insana (sádica, talvez) do editor: ele vê ali sua última chance de êxito e pode estar disposto a sacrificar tudo por ela.

Bem, eis aí sábios conselhos que ninguém pediu. Digamos que fossem aceitos e que eles fossem de fato muito sábios. Restaria ainda outra questão óbvia a resolver: como entender o otimismo do editor em relação a uma obra ficcional, neste momento em que o prestígio da cultura, em particular da ficção, se desmancha numa velocidade assombrosa —ver a esse respeito o notável “Vidas Duplas”, de Olivier Assayas, que trata justamente da crise da indústria do livro.

Se vencidas essas etapas, restaria ainda outra: esse tipo de ficção exige uma série de encaixes delicados para que tudo não pareça mera sucessão de artifícios que levam ao final desejado. Um tipo de ficção, enfim, em que Bioy Casares e Cortázar foram mestres.

Não superar esse obstáculo ajuda a tornar um pouco frustrante o esforço no mais arrojado de Alberto Graça em “Beatriz”, em que Marjorie Estiano aparece bem, cercada por um muito bom elenco de apoio português e espanhol.

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