Descrição de chapéu The New York Times

Black Keys tentam provar que o rock continua vivo ao criar o álbum 'Let's Rock'

Lançamento acontece depois de pausa de cinco anos para se recuperar das agruras das turnês

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Jon Pareles
Nashville (EUA) | The New York Times

Para o Black Keys, dizer não era difícil. Quando por fim o fizeram, precisaram de anos para se recuperar do desgaste causado por uma década na estrada.

A banda —Dan Auerbach nos vocais e guitarra e Patrick Carney na bateria— lançou seu novo álbum, "Let's Rock", na última sexta-feira (29). O disco chega cinco anos depois de "Turn Blue", que foi o terceiro álbum consecutivo da dupla a chegar ao topo das paradas de sucesso americanas.

 

A banda não se apresenta em público há quatro anos. Ainda que devam iniciar uma turnê tocando em arenas em setembro, desta vez a ideia é que eles controlem melhor o seu ritmo de trabalho.

A história do Black Keys mistura instintos musicais passadistas e possibilidades do século 21 —demonstrando as muitas formas pelas quais o passado e o futuro do rock podem se emaranhar. É uma apreciação das técnicas tradicionais da guitarra, associadas a pedais de efeito ruidosos e amplificadores excêntricos.

Também representa uma aposta em que, para muitos ouvintes, as idiossincrasias humanas são capazes de concorrer com a precisão mecânica. Em uma era de música pop gritantemente computadorizada, "Let's Rock" prefere alardear o rock básico do passado: guitarras, bateria, vocais.

Ainda que a banda empregue as ferramentas digitais da música pop, "jamais estamos em busca da perfeição", disse Auerbach, acomodado à mesa da cozinha de seu estúdio, o Easy Eye Sound, em Nashville, nos Estados Unidos. "O importante é a sensação. Amamos os erros —os erros certos. Eles podem fazer toda diferença."

Auerbach acrescentou que as turnês vieram a se sobrepor ao objetivo primordial da dupla, que era o de compor. "Gostamos de criar canções. E sei muito bem que não basta compor, você precisa mostrar o que compôs", disse. "Mas não é uma boa sensação, trabalhar com tanto afinco para fazer aquilo que você ama sem nunca ter a oportunidade de criar. Isso pode frustrar muito".

Este ano, o Black Keys inicialmente decidiu se apresentar no Woodstock 50, o festival de aniversário que parece estar caminhando para o cancelamento, mas depois desistiu. "Percebemos que não queríamos fazer o primeiro show de nossa volta diante de 150 mil pessoas, em campo aberto sem controle algum", disse Carney. "Quase matamos nosso agente do coração. Passamos cinco anos quase sem faturar e nos ofereceram um cachê de, tipo, US$ 1,5 milhão. E dissemos a ele que não queríamos. Só queremos fazer coisas que nos agradem."

Auerbach, 40, e Carney 39, cresceram no mesmo bairro em Akron, no estado americano de Ohio, e já na adolescência começaram a experimentar com noise, punk e jam sessions psicodélicas, gravadas em uma mesa de quatro canais. O Black Keys foi formado oficialmente em 2001, para tocar blues rock básico, vigoroso, que mais tarde viria a se fundir com outros estilos pré-punk: glam, rockabilly, soul sulista, rock de garagem, hard rock.

No começo dos anos 2000, com a ascensão do hip-hop e do pop composto por comitês, e com a era do "rock alternativo" pós-grunge dominando o rádio, eles pareciam teimosamente fora de sincronia. E isso não mudou. As canções em "Let's Rock" nada têm a ver com o som fininho, frágil e sintético que domina o pop na era do streaming; o Black Keys, em vez disso, recua aos instrumentos manuais, e invoca alegremente o som de décadas passadas —T. Rex, AC/DC, Stealers Wheel e Norman Greenbaum.

O Black Keys sabe muito bem que, como banda de rock autodirigida e centrada no som da guitarra, seu som parece fora de esquadro na década de 2010. Poucas das bandas de rock formadas no século 21 conseguiram chegar ao topo das paradas de sucesso, ou ingressar no circuito das arenas.

"Honestamente, tivemos sorte em fazer sucesso em uma era como essa", disse Carney. "Mas acho que o rock, o rock alternativo, ou o rock indie verdadeiro, não importa o nome, está a ponto de passar por uma grande onda, em breve. As pessoas estão querendo ouvir."

dois homens de pé em um jardim
Patrick Carney e Dan Auerbach, do Black Keys, em Nashville, nos Estados Unidos. Eles acabaram de lançar o nono disco da carreira - Alysse Gafkjen/The New York Times

Matt Shultz, líder do Cage the Elephant, uma banda de rock que também segue influências das décadas de 1960 e 1970 e já dividiu palcos com o Black Keys, acredita que uma retomada do rock esteja chegando. "A guitarra voltará a ser muito usada na música", ele diz. "O pêndulo vira. As pessoas querem ouvir instrumentos de novo."

Com "Let's Rock", o Black Keys se recusa a aderir à prática de negócios atual do setor de música, que opera com pacotes e busca conquistar posição melhor para um álbum na semana de lançamento ao vendê-lo como parte de um conjunto de itens que inclui ingressos para shows e outras mercadorias.

"Nossa ideia é que as pessoas ou vão comprar o disco ou não vão", disse Carney. "O único dado que realmente me importa é que as pessoas gostem ou não do disco."

A carreira do Black Keys começou gradualmente, e depois ganhou muito empuxo. Embora tenham sido cortejados por Seymour Stein, da Sire Records, escolheram evitar as grandes gravadoras e assinaram um contrato com o selo Fat Possum, de blues, cujo elenco incluía um seus heróis, o bluesman Junior Kimbrough, do Mississipi.

"Se tivéssemos começado a banda com o objetivo de chegar ao Madison Square Garden, teríamos agido de modo muito diferente", disse Carney. "E não teria dado certo."

Pela maior parte de sua primeira década na estrada, o Black Keys conquistou o público show após show, tocando no circuito indie, de casas pequenas, abrindo para bandas mais conhecidas ou se apresentando em festivais de menor porte. Mas quando os esforços da banda enfim começaram a dar resultado —com o álbum "Brothers", de 2010, e o single "Tighten Up"—, o Black Keys começou a trabalhar freneticamente, com shows em grandes arenas e festivais em todo o mundo.

Eles lançaram outros dois álbuns que ficaram no topo das paradas —"El Camino" (2011) e "Turn Blue" (2014)— e realizaram longas excursões. E aí simplesmente pararam. O último show aconteceu em San Francisco em agosto de 2015.

"Eu sabia que faríamos um novo disco", disse Carney. "A única coisa que me incomodava era que o último show que fizemos foi em San Francisco, e todo mundo sabe que San Francisco é uma cidade em que bandas se separam." Entre as bandas que fizeram seu último show na cidade e se separaram mais tarde estão os Beatles, Sex Pistols e The Band. Mas o Black Keys não se tornaria parte da lista.

Durante o período de pausa, tanto Carney quanto Auerbach, que viviam em Nashville desde 2010, se casaram e se tornaram pais.

Auerbach criou o estúdio e gravadora Easy Eye Sound e produziu dezenas de discos: blues, country, rock, soul, música nigeriana, Dr. John. Carney também trabalhou como produtor e acompanhando outros músicos. Ele produziu o disco de sua mulher, a cantora Michelle Branch, e tocou com ela em uma excursão.

Depois que Auerbach produziu um disco para um dos heróis de guitarra da banda —Glenn Schwartz, membro original do grupo James Gang, de Ohio, na década de 1960—, a velha conexão com Ohio o levou a trabalhar de novo com Carney. "Foi o empurrãozinho de que eu precisava", disse Auerbach. "Logo depois daquela sessão, liguei para Pat e marcamos as datas."

O Easy Eye Sound fica perto de um beco de Nashville onde moradores de rua acampam. Para lá do portão de arame farpado há grandes reproduções plásticas de discos, que decoravam uma velha loja de discos em Memphis.

Quando você entra, uma das primeiras coisas que vê são gravadores de rolo Ampex e Studer, sobreviventes da era analógica que o estúdio usa muitas vezes para gravações e mixagens, embora Auerbach também recorra a equipamento digital. "Não temos regra alguma", ele disse. "Manipulamos as canções do jeito que funcionar melhor."

O Easy Eye foi construído para gravações ao vivo. Há alcovas para guitarras, teclados e percussão, onde os músicos podem tocar junto com os colegas.

Todas as guitarras disponíveis parecem ter uma história, de uma das primeiras cítaras elétricas produzidas a velhas guitarras elétricas que pertenceram a músicos de blues como T-Model Ford e Fred McDowell. Os três instrumentos mencionados foram usados em "Let's Rock".

A posição de gravação da guitarra fica diante da cabine envidraçada da percussão, exatamente para que Carney e Auerbach possam fazer contato visual quando trabalham em faixas do Black Keys.

dois homens em cima do palco tocando guitarra e bateria
O Black Keys durante o show como headliner da edição brasileira de 2013 do festival Lollapalooza. Evento aconteceu no Joquei Club, em São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Embora os discos de maior sucesso da banda tenham sido realizados com Danger Mouse (Brian Burton) como produtor e parceiro de composição, "Let's Rock" retorna à maneira pela qual Auerbach e Carney fazem música juntos desde a adolescência: começando do zero, em jam sessions que geram riffs e batidas que possam resultar em canções.

"Não temos plano", disse Auerbach. "Só deixamos acontecer."

Tchad Blake, que mixou todos os discos do Black Keys desde 2010, disse que "eles abordam a música com abandono". "É a palavra-chave. Fazem coisas de um jeito incomum, porque não ficam sobrecarregados do conhecimento de um engenheiro profissional. Tampouco ficam sobrecarregados com ideias sobre bom gosto. Simplesmente deixam correr e veem o que acontece."

​Auerbach e Carney trabalharam rápido, em sessões de algumas semanas de duração entre setembro de 2018 e janeiro de 2019, com pausas para Auerbach escrever letras, e se esforçaram para manter um som cru.

Mais ou menos na metade da gravação, eles perceberam que não tinham usado qualquer teclado até ali, e decidiram seguir assim até o final. Quase todos os sons de "Let's Rock" vêm de guitarras, vozes e percussão. "No momento, nada me dá uma sensação melhor do que gravar um disco barulhento de rock, tocando guitarra elétrica", disse Auerbach.

As únicas colaboradoras da banda no estúdio foram Leisa Hans e Ashley Wilcoxson, duas vocalistas de apoio que aprenderam a cantar na igreja e acompanharão a banda em turnê.

"Dan nos deixou fazer algumas partes bem viajantes, e muito divertidas, uma espécie de soul com algo de gospel", disse Hans. "Ele celebra os momentos musicais estranhos, fora do padrão."

As guitarras em "Let's Rock" ostentam barulho e distorção; a bateria é bruta, simples e tem muito swing. Mas as estruturas das composições são muito mais complexas: contrapontos sutis entre guitarras e baixos, flutuações quase subliminares da guitarra base e até um apito de brinquedo perdido em uma das faixas.

"Tensão, propulsão, coesão, melodia", Auerbach respondeu, quando questionado sobre o que queria em suas canções. "Quero que elas fluam bem, de um jeito que soe certo. E quero me empolgar a cada dia com os sons que aparecem."

A capa de "Let's Rock" mostra uma cadeira elétrica. O título do disco, aparentemente simplório, também é referência às últimas palavras de Edmund Zagorski, um homicida condenado e executado no estado americano do Tennessee. E apesar de seu pique sólido e animado, as canções de "Let's Rock" muitas vezes revelam pensamentos sombrios: reflexões sobre solidão, anseio, fadiga e ansiedade.

Embora não tenha hesitado em analisar suas melodias, Auerbach se mostrou muito mais circunspecto com relação às letras. "As canções simplesmente acontecem. Algumas das frases simplesmente me vieram à cabeça na hora de cantar. Às vezes nem penso no significado —só ouço as sílabas", ele disse. "Sobre o que é a canção? Não sei." Ele sorri. "Mas a sinto na nuca."

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