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'Deslembro' é um retrato delicado de um período de transições

Filme de Flavia Castro cresce nas entrelinhas; são os sons e o silêncio, as cores e a ótima interpretação de Jeanne Boudier

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Deslembro

  • Elenco Jeanne Boudier, Sara Antunes, Eliane Giardini
  • Produção Brasil, 2018
  • Direção Flavia Castro

Uma série de mudanças difíceis na vida de Joana se revela na intensidade e na variedade das cores no filme “Deslembro”, dirigido por Flavia Castro.

Em Paris, onde a personagem viveu a infância e fez bons amigos, a fotografia e a direção de arte do filme privilegiam a profusão de cores. Numa quebra de paradigma, que dá frieza aos trópicos, as primeiras semanas no Rio ganham tons mais sóbrios. É a cidade para onde a família da garota se muda, contra a vontade dela.

Vencedor do prêmio de público do Festival do Rio do ano passado, “Deslembro” é um retrato delicado de um período de transições.

Joana (Jeanne Boudier) se despede da meninice para entrar na adolescência, o que envolve a descoberta da sexualidade. A mudança da sua família de Paris para o Rio, depois de anunciada a anistia pelo governo brasileiro, implica uma renúncia à alienação. Guiada pela avó Lucia (Eliane Giardini), Joana toma contato com histórias sobre seu pai, um militante desaparecido, muito provavelmente morto pelos agentes da ditadura militar.

Os caminhos da garota têm semelhanças com a trajetória da cineasta. Como se vê no ótimo “Diário de uma Busca”, documentário lançado por ela em 2011, os pais de Flavia tiveram que fugir do Brasil em 1972.

“Deslembro”, no entanto, não é uma obra rigorosamente biográfica. “As sensações são muito próximas da minha experiência, mais do que os fatos”, diz a diretora.

Sua estreia em um longa-metragem de ficção é, de certa forma, um desdobramento dos temas abordados no seu documentário. “’Deslembro’ veio do desejo de lidar com situações muito particulares que em ‘Diário de uma Busca’ eu acho que não consegui alcançar”, afirma.

Outra ligação entre os filmes é a investigação da memória. O novo longa, aliás, deveria se chamar “A Memória É o Músculo da Imaginação”, uma citação do romancista russo Vladimir Nabokov. Flavia se diverte com a lembrança: “Todos os envolvidos no filme acharam que era longo demais, metido”.

Foi, então, batizado pela filha mais velha da diretora, inspirada por uma poesia de Fernando Pessoa. “Meu passado / Não sei quem o viveu / Se eu mesmo fui / Está confusamente deslembrado”

A memória ganha também conotações políticas. “O filme se inscreve num movimento de resistência às tentativas de negação da história do Brasil”, diz Flavia em referência às afirmações do presidente Jair Bolsonaro de que não houve uma ditadura militar no país. “Os governos anteriores não tiveram uma política de memória suficientemente forte. A Comissão Nacional da Verdade [que investigou os crimes cometidos pela ditadura] veio muito tardiamente.”

A violência, porém, aparece em “Deslembro” de forma indireta. O filme cresce nas entrelinhas. São os sons e o silêncio, as cores e a ótima interpretação de Jeanne Boudier que dão vida à transição.

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