Exposição reúne arte feita durante a Guerra do Vietnã

Em Washington, mostra reflete sobre como o conflito mudou movimentos artísticos

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Washington

Poderia ser a casa de qualquer família de classe média que viveu nos Estados Unidos no fim da década de 1960. Um sofá de veludo surrado, cortinas que refletem a luz baixa do abajur e uma mesa de centro onde são depositadas dezenas de bitucas de cigarro.

No fundo da sala de estar, a TV seria facilmente ignorada pelo espectador já acostumado ao noticiário sombrio. Na tela de vidro, informações sobre soldados mortos e feridos na Guerra do Vietnã (1955-1975).

Dentro do Smithsonian American Art Museum, em Washington, a instalação de Edward Kienholz é a porta de entrada para “Artists Respond: American Art and the Vietnam War, 1965-1975”.

A exposição, que retrata as angústias e o impacto político e social da primeira guerra televisionada nos EUA, tenta cumprir a tarefa de responder ao conflito que transformou tudo, inclusive a arte.

Ao lado de Kienholz, outros 57 artistas exibem fotos, pinturas, colagens, filmes e instalações que somam mais de cem obras —algumas delas inéditas— sem pretensão de narrar a linha do tempo da guerra que marcou os EUA.

O objetivo é refletir as mudanças artísticas durante a década mais acirrada do conflito.

A arte pop, o abstracionismo e o minimalismo começaram a dar lugar a uma manifestação mais conceitual, em que galerias de arte passaram a ser lugares para ampliar o conhecimento e o pensamento crítico.

Conforme TV, jornais e revistas estampavam notícias e imagens das atrocidades que aconteciam no Vietnã, americanos questionavam a legitimidade da guerra, ao mesmo tempo em que acompanhavam quase que ao vivo o que se passava com os soldados do outro lado do mundo.

Em sua série “House Beautiful: Bringing the War Home”, Martha Rosler mistura fotos e anúncios em colagens que mostram militares e refugiados da guerra inusitadamente deslocados para cenas do cotidiano dos EUA.

A proximidade do conflito era estampada na realidade das pessoas que, segundo a artista nascida em Nova York, não podiam mais separar o aqui e o lá. A guerra estava dentro de casa.

Na entrada dos anos 1970, os americanos estavam divididos sobre o propósito da disputa entre o sul e o norte do Vietnã e o incômodo abriu espaço justamente para o engajamento de artistas.

Mulheres, negros e latinos, que não eram ouvidos ou reconhecidos pelo establishment da época, têm destaque em uma das maiores exibições artísticas sobre o tema.

Em uma das cinco salas, as cores, o grafite e uma arte sexual e provocativa refletem o olhar transgressor de Judith Bernstein e Nancy Spero.

Juntas, elas traduzem a escalada da insatisfação nos EUA e o início de um novo capítulo social sobre a guerra.

A cultura patriótica americana também é posta à prova. Com 246 mil soldados recrutados de 1966 a 1969 (41% deles negros), artistas como David Hammons e Mel Casas mostram o que, na verdade, poderia ser apenas o sacrifício daqueles que não eram brancos. Durante esse período, os negros eram 11% da população dos EUA, porém, somavam quase metade dos enviados para a intervenção no Vietnã.

O incômodo persiste com as luzes florescentes do nova-iorquino Dan Flavin. A ampla sala ocupada somente por três lâmpadas vermelhas instaladas por ele cria uma atmosfera de morte e dor para o capítulo sobre o corpo —e toda a vulnerabilidade de um ser humano durante uma guerra.

Yoko Ono está quase nua em uma TV apoiada no chão. No filme em preto e branco, a plateia é convidada a cortar pedaços da roupa da artista em “Cut Piece”, realizada em 1965.

John Lennon também tem trabalhos expostos na exibição, que vai até dia 18 de agosto na capital americana.

Ele divide espaço com o agudo rangido de uma impressora antiga, que cospe metros de papel com notícias de jornais da época. A ideia de quebrar a suposta barreira entre o mundo real e o mundo da arte está na remontagem de “News”, do artista alemão Hans Haacke.

Antes de chegar ao fim, o visitante é convidado a compartilhar sua própria reação à guerra. Mais do que o reflexo político e social, as reações ao que aconteceu ao Vietnã são pessoais e ajudam a explicar a transformação cultural vivida pela maior economia do mundo.

Artists Respond: American Art and the Vietnam War, 1965-1975

  • Quando Até 18/8
  • Onde Smithsonian American Art Museum, em Washington (EUA)
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