Festival de cinema celebra vampira que seduziu os jovens poetas surrealistas

Mostra italiana se afirma como o momento maior em que o cinema acerta contas com seu passado

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São Paulo

Musidora tinha no nome o destino de musa. Seu personagem mais famoso, Irma Vep, trazia o destino de vamp. Quase certamente a primeira do cinema. E foi isso mesmo que ela foi, há mais ou menos cem anos, desde que estrelou “Os Vampiros”, o famoso seriado de Louis Feuillade.

Ágil, esguia, vampiresca, a atriz não só se tornou popular como seduziu os jovens poetas surrealistas, que viram nela a encarnação do cinema.

Os surrealistas viam na nova arte (ao contrário da imensa maioria dos intelectuais da época) o surgimento de um repertório inédito, que crescia graças à acolhida popular, sacudindo a poeira da cansada arte dramática europeia.

mulher dos anos 1920
A atriz Musidora - Divulgação

Por meio de Irma Vep, Musidora lhes oferecia não apenas isso, mas também a imagem da mulher transgressora das leis sociais, com as quais o movimento pretendia romper.

A homenagem que o 33º Cinema Ritrovato lhe presta a partir deste sábado (22) não se limita aos feitos da atriz (cujo nome verdadeiro era Jeanne Roques), morta em 1957, que também escreveu e dirigiu seis filmes, sendo que o raro “Sol e Sombra” consta do programa do festival italiano.

homem fantasiado e outro de social
O ator Robert Young e diretor Henry King nas filmagens de "Carolina" (1934) - Divulgação

A diva francesa não será a única a chamar atenção do público cada vez maior (estudantes americanos em especial) de Bolonha. Também há Henry King, diretor magistral, que marcou a era clássica entre 1915 e 1962. 

São quase 50 anos de carreira, mas o King que conhecemos melhor foi o encarregado de conduzir a pesada maquinaria da Fox dos anos 1940 e 1950 (admita-se, o estúdio lhe ofereceu a oportunidade de fazer dois magníficos faroestes: “O Matador”, em 1950, e “Estigma da Crueldade”, em 1958). Mas o King essencial é o de, por exemplo, “Stella Dallas” (1925), com os quais influenciou, entre outros, os primeiros cineastas brasileiros (Humberto Mauro à frente).

Ainda da América chegam a segunda parte da homenagem a William Fox (o fundador da Fox Film) e uma série de filmes noir dirigidos por Felix E. Feist. No caso, abre-se a hipótese de descoberta de um cineasta que até hoje passou fora do radar da crítica e do público, mas que o curador Eddie Muller (escritor e presidente da Film Noir Foundation) garante que vale a pena conhecer.

O setor francês não está ausente, ao contrário: há desde o novo restauro do antológico “Toni” (1934), de Jean Renoir, e de uma série de Georges Franju à exibição de “O Prazer” (1951), de Max Ophuls, e a mostra do período mais marcante do ator Jean Gabin (entre os 1930 e 1940).

O Oriente não fica de fora. A retrospectiva do egípcio Youssef Chahine (1926-2008) é um dos pontos altos da mostra, talvez o mais alto: ele representa um cinema industrial que dialogou com o grande público mantendo o mais alto nível artístico, o que lhe garantiu premiações em todo o mundo.

Não falemos do que costuma lotar salas, como os filmes de Buster Keaton recém-restaurados, ou mesmo as sessões noturnas ao ar livre. O Cinema Ritrovato afirma-se novamente como o momento maior em que o cinema acerta contas com seu passado e projeta seu futuro.

Não deixa de ser uma pena que o Brasil, bem representado no ano passado pelos restauros de “Pixote”, de Babenco, e “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr., não tenha até agora nada programado para esta festa, justamente quando seu prestígio cresce mundo afora.

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