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Cinema

Gabriel Mascaro reafirma talento para provocação com ataque frontal a valores carolas

'Divino Amor', novo filme do cineasta, chega nesta quinta aos cinemas

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O ano de 2027 parece tão próximo do presente quanto o Brasil representado nos cenários, adereços e figurinos de “Divino Amor” parecem vir do mesmo país de hoje.

O único grande sinal de mudança é o Carnaval, que deixou de ser a maior festa popular numa sociedade submetida ao fundamentalismo religioso. Nada seria mais eloquente do que essa substituição da alegria pela melancolia e a solidão que perpassam o filme.

Os corpos embalados pela música eletrônica e os neons que banham em luzes azuis e rosa a grande festa e tingem de frieza os principais cenários também indicam que o artificial e o forjado ocupam agora o espaço que antes era da espontaneidade.

“Que País É Este?”, perguntava três décadas atrás a canção-hino de uma geração. “Que país será este?”, questiona Mascaro bem no momento em que a vertigem é nossa sensação predominante.

A religião é o fator onipresente nessa ficção estranhamente próxima. O conhecimento deu lugar à repetição de versículos bíblicos, os indivíduos se movem pelo que lhes dizem ser a vontade divina e mesmo os sentimentos têm de ser autenticados por contratos e códigos de barra.

Mascaro, contudo, evita a rota fácil do discurso antirreligioso. O avanço da cruzada moral se dá de outro modo. 

Na imagem, por exemplo, de mulheres na praia vestidas até o pescoço enquanto os homens se bronzeiam de sunga. E nos sistemas de controle que regulam a fertilidade feminina e o pré-natal, enquanto a esterilidade masculina é problema de outra ordem.

O ataque mais frontal aos valores carolas vem numa cena de alta voltagem erótica com a qual o diretor 
reafirma seu talento para a provocação.

Nessa distopia do Terceiro Mundo ninguém assume o lugar da vítima e a protagonista não é submetida aos horríveis martírios de “O Conto da Aia”.

“Divino Amor” não designa um algoz nem representa figuras de sua ordem repressiva, mas seus personagens cumprem e obedecem e chegam até a extrapolar suas funções. São cúmplices ou servos voluntários de um controle baseado na fé e na tecnologia. São seus zumbis.

Mas o que assusta mesmo nesse cenário de ordem e progresso não vem só das imagens. A voz de uma criança que narra a história como um Deus onisciente não sugere algo inocente ou infantil. Ela soa mais como essas locuções robóticas de aplicativo, alguém que define uma rota que apenas seguimos.

Divino Amor

  • Quando Estreia nesta quinta (27)
  • Elenco Dira Paes, Julio Machado, Teca Pereira. 18 anos.
  • Produção Brasil, Uruguai, Dinamarca, Noruega, Chile e Suécia, 2018
  • Direção Gabriel Mascaro
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