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Indicados ao Tony espelham o racha político americano numa temporada de recorde

Cerimônia de entrega do maior prêmio do teatro americano será no domingo (9)

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Nova York

Depois de mais um recorde de faturamento, quase US$ 2 bilhões, a temporada de 2017 e 2018 da Broadway termina neste domingo com a entrega do Prêmio Tony.

O musical mais disputado nas bilheterias ainda é "Hamilton", em cartaz há quatro anos e que tem os melhores lugares vendidos a US$ 850, até hoje. As estreias desta temporada não chegam a tanto.

Um bom lugar na plateia de "Hadestown", o espetáculo de Anaïs Mitchell e Rachel Chavkin indicado neste ano a 14 troféus, a começar de melhor musical, pode ser comprado a uma semana da apresentação por US$ 300.

"Hadestown", que parte de um álbum de Mitchell lançado há dez anos, reconta com blues e folk o mito grego de Orfeu e Eurídice, lembrando a divisão política nos Estados Unidos de agora.

A força maior por trás do espetáculo é Chavkin, que o adaptou para o palco e dirigiu. Nome em ascensão no teatro comercial americano, ela veio da cena experimental e deixou uma primeira marca com "Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812", em 2016, que ganhou montagem paulistana no ano passado.

Numa espécie de cabaré, com atores tocando parte dos instrumentos e alguma interação, "Hadestown" acumula cenas bem resolvidas, inventivas, explorando a qualidade do elenco. É um espetáculo de conjunto, "ensemble", mas com destaques de interpretação para Amber Gray, Patrick Page e André De Shields, este como Hermes, o narrador —todos estão indicados ao Tony.

Gray, que veio de "Natasha" e faz Perséfone, a mulher de Hades, tem talvez a atuação mais exuberante, vocal, trágica e comicamente. É quem levanta a plateia.

Mas o quadro que marca "Hadestown" é protagonizado por Page, que como Hades, o deus do submundo levado ao título, remete a Donald Trump. A canção, intitulada "Por que Nós Construímos o Muro", foi composta antes, mas é recebida pelo público como crítica ao muro que vem sendo erguido contra os imigrantes latino-americanos na fronteira com o México.

Há um acúmulo de tópicos e enredos paralelos, nem todos com o mesmo aprofundamento, e o final não tem nada de feliz, mas o resultado é empolgante. Confirma o alerta de Hermes desde logo, de que se trata de "uma canção triste", como a realidade, "mas nós cantamos assim mesmo".

Os principais concorrentes de "Hadestown" como melhor musical são "Tootsie", baseado no filme de 1982, e "Ain't Too Proud", biografia do grupo vocal The Temptations, mas os críticos do New York Times afirmam que um quarto merece o prêmio, "The Prom".

A produção é menor, em cenário, por exemplo, mas o elenco é também de qualidade. É uma comédia autodepreciativa da própria Broadway e de seus valores, que contrasta com aqueles, também questionados, de uma cidadezinha cristã no estado de Indiana.

Como em "Hadestown", o pano de fundo é a divisão política. No caso, a cidade é tomada por um elenco de Nova York, que vai até lá para ajudar uma adolescente lésbica proibida de ir ao baile de formatura com a namorada.

São estrelas egocêntricas que buscam, no fundo, certa publicidade para apagar o fracasso de seu recente musical. "The Prom" carrega nas tintas dos atores da Broadway, bem parodiados sobretudo por Brooks Ashmanskas e Beth Leavel, ambos indicados.

Mas quem entusiasma e enche as galerias de jovens espectadores, o que é incomum nos teatros da Broadway, é Caitlin Kinnunen, também indicada, que faz a adolescente que enfrenta e vence o preconceito local, independente das trapalhadas dos atores.

No esforço de purgar os EUA do ódio político atual, "The Prom" também tem um quadro mais engajado, como "Hadestown", em que prega "amar o próximo" como a mensagem acima das outras na Bíblia.

Fora dos musicais, a peça favorita é "The Ferryman", de Jez Butterworth, que também tem por tema o rancor político, no caso, aquele que hoje ameaça retornar à Irlanda do Norte. O drama é mais pesado, até arrastado, do que os elogios críticos e prêmios deixam parecer, embora tenha passagens de humor e várias cenas dramáticas envolventes.

Todo o elenco de mais de 30 atores se mostra preparado, inclusive quatro crianças e pré-adolescentes, além de um bebê expressivo e que não chora —e até um ganso. A direção de Sam Mendes é carregada de curiosidades e tenta ser instigante como um thriller, nem sempre com êxito.

A história se passa em 1981 e retrata uma família e suas relações com o IRA, o Exército Republicano Irlandês, a partir do momento em que é encontrado o corpo de um jovem desaparecido. Em suma, é sobre feridas político-religiosas que não se fecham.

O texto tem traços da geração de Butterworth, uma dramaturgia que surgiu há duas décadas no Teatro Royal Court, em Londres, cheia de violência, linguagem crua e sarcástica e desalento político.

É um teatro ainda inteligente, mas que tem sua radicalidade formal e temática atenuada agora, em parte talvez pela encenação de Mendes, diretor teatral qualificado, desde sempre, mas que nunca se associou àquele grupo histórico de dramaturgos. Um teatro político extremista, mas que chega domado à Broadway.


Os principais indicados

Melhor musical
'Ain't Too Proud - The Life and Times of the Temptations'
'Beetlejuice'
'Hadestown'
'The Prom'
'Tootsie'

Melhor peça
'Choir Boy'
'The Ferryman'
'Gary: A Sequel to Titus Andronicus'
'Ink'
'What the Constitution Means to Me'

Melhor revival de musical
'Kiss Me, Kate'
'Rodgers & Hammerstein's Oklahoma!'

Melhor revival de peça
'Arthur Miller's All My Sons'
'The Boys in the Band'
'Burn This' 'Torch Song'
'The Waverly Gallery'

Melhor partitura original (música/letra)
'Be More Chill'
'Beetlejuice'
'Hadestown'
'The Prom'
'To Kill a Mockingbird'

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