Pé na bunda é o que mais faz brasileiros conhecerem novas músicas

Segundo pesquisa, 70% dos que ouvem novas faixas fazem isso ao fim de um relacionamento

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Ilustração para capa da Ilustrada sobre música e fim de relacionamentos

Jairo Malta

São Paulo

​​Sabe aquela hora do pé na bunda, do toco, do fora? Quando o término e a separação são inevitáveis, e você recebe um “não” bem redondo? Ou quando aquela outra pessoa não quer saber mais nem da sua sombra? 

Não é segredo para ninguém que, nessa hora de sofrência e coração partido, uma das melhores coisas a fazer é ficar sozinho e pôr uma boa música para tocar —de preferência bem alto, seja para curtir as lágrimas da fossa ou reunir forças para se levantar do chão e tentar dar uma volta por cima.

Não à toa esse é o momento em que as pessoas mais descobrem músicas novas. Pelo menos é o que mostra um levantamento inédito conduzido pelo instituto britânico 3GEM, por encomenda da plataforma de streaming Deezer. 

Depois de ouvir 10 mil entrevistados no mundo todo, 2.000 deles no Brasil, o levantamento concluiu que 66% dos ouvintes descobrem novas canções após um término de relacionamento, sendo que 25% fazem isso para recuperar a confiança ou conhecer pessoas novas, quem sabe futuros amantes.

Nesse quesito, o Brasil é mesmo o país da sofrência e da dor de corno, onde para matar a tristeza só mesa de bar —e fones de ouvido. Aqui, os números do levantamento são um pouco mais altos, mas ainda dentro da margem de erro, que é de 5%.

Entre os brasileiros que participaram, 70% descobrem novas músicas depois de terem seus corações esfacelados. 

“A música tem um efeito analgésico nessas horas, muitas letras conseguem dizer exatamente o que a gente está sentindo, mas nem sempre consegue expressar”, diz Raul Leal. Aos 21 anos, o produtor de podcasts conta que já descobriu uma série de músicas em momentos de desilusão.

A primeira vez foi em 2017, quando terminou um namoro de quatro anos. Enquanto via o principal relacionamento da adolescência ir por água abaixo, ele ouvia faixas aleatórias na internet, até que caiu numa canção de Tim Bernardes, vocalista da banda O Terno.

“Não” discorre versos como “não chora mais, vai, por favor/ eu sei que você também sente” ou “eu não vou mais ser seu amigo/ eu quero, até, mas não consigo/ eu também vou sentir saudades/ eu também vou chorar sozinho”.

“É uma música que fez tanto sentido que escuto até hoje e me fez ouvir outras coisas do Tim. Hoje, quando ela toca, não necessariamente lembro desse relacionamento —mas claro que, se eu quiser dar uma choradinha, vou colocar para tocar”, ri Leal.

Os motivos que levam esses 70% a descobrirem canções novas depois de cortar laços com alguém variam. Entre eles, 25% ouvem música para se sentir melhor, 10% para redescobrir a própria identidade e 10% para conhecer novas pessoas, por exemplo.

Ou seja, além da sofrência pura (na forma de “se sentir melhor”), os brasileiros veem na música um motor de mudanças após o término. 

“Mas geralmente é para chorar em posição fetal mesmo”, acredita Ana Beatriz Michelini, 27, que trabalha com inovação e tecnologia, mas diz que sua experiência de verdade é em corações partidos.

Em especial por causa de um namoro de cinco anos, com incontáveis idas e vindas, marcadas por idas ao YouTube para ouvir músicas aleatórias.

Foi durante a gangorra amorosa que, entre 2011 e 2016, Michelini conheceu Arctic Monkeys, O Teatro Mágico, Rubel, Panic! at the Disco e Dua Lipa, por exemplo. 

Mas uma das faixas mais marcantes foi “Saved”, de Khalid, que traz entre os versos: “so I’ll keep your number saved/ ‘cause I hope one day I’ll get the pride to call you/ to tell you that I’m finally over you” (eu vou manter o seu número salvo, porque espero que um dia eu tenha o orgulho de ligar, para te dizer que finalmente superei você).

“A letra entrou direto no coração, falou exatamente o que eu estava sentindo na hora. O nome dela deveria ser ‘hino da fossa’”, brinca.

Mas música não serve de companhia só na hora de chorar no escuro, comer um sorvete com Nutella ou perseguir a pessoa amada nas redes sociais —é parte integrante também na hora de dar o passo seguinte.

Segundo a mesma pesquisa, 29% dos brasileiros fingem que gostam de alguma letra em um primeiro encontro. Fazem isso para não passar vergonha, transmitir uma boa impressão ou aparentar sofisticação na paquera. 

Entre os países do levantamento, o Brasil é o que alcança índices mais altos nesse quesito —para comparar, apenas 18% dos franceses fingem nessas situações. Aliás, o primeiro encontro não é o único momento em que mentiras sinceras nos interessam.

Os dados mostram ainda que 56% das pessoas dizem gostar de uma canção apresentada por um amigo, um parente ou uma pessoa querida só por educação.

“A música tem um efeito de mudança no humor. De alguma maneira, isso também mostra a personalidade do brasileiro. A pesquisa revela que em países considerados menos quentes, caso da Alemanha, por exemplo, as pessoas valorizam menos as questões sentimentais na hora de ouvir músicas, sejam elas novas ou não”, avalia Polyana Ferrari, gerente de comunicação do Deezer Brasil.

Não por acaso surgiram no cancioneiro nacional nomes como Pablo, Reginaldo Rossi, Waldick Soriano e Odair José. Ou que o hit dos caraoquês seja “Evidências”. Isso sem falar na rainha da sofrência, Marília Mendonça, que arranca lágrimas com “ai, que saudade do meu ex”. Pode cantar, mas tem que chorar.

Mais números

  • 56% dizem por educação que gostaram de alguma música
  • 82% ouvem músicas quando estão em situações de desconforto
  • 29% fingem gostar de música em um primeiro encontro  
  • 5% ouvem faixas para ficarem confiantes com novas pessoas
  • 3% têm contato com canções para se atualizar com a cultura
  • 35% ouvem para se recuperar de doença ou momento triste 
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