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Romance 'Noite em Caracas' aborda culpa daqueles que deixaram a Venezuela

Livro de Karina Sainz Borgo, convidada da Flip, chega às livrarias brasileiras nesta semana

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Buenos Aires

A situação de crise humanitária, política e econômica na Venezuela vem produzindo interessantes reflexões que se traduzem numa resposta por meio das letras. Cada um a partir de seu próprio ponto de vista, o poeta Igor Barreto, Alberto Barrera Tyszka, vencedor do prêmio Herralde, o também ensaísta e dramaturgo Juan Carlos Chirinos são apenas alguns dos exemplos.

A Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) trará, na edição deste ano, uma das mais recentes revelações da literatura venezuelana, Karina Sainz Borgo, 37, que chega com seu romance, “Noite em Caracas”, nas livrarias brasileiras a partir desta semana.

O livro conta a história de uma jovem mulher, Adelaida Falcón, que, após a morte de sua mãe, deixa a Venezuela. Órfã e em um país que está morrendo, sem possibilidade de lhe dar um futuro, Adelaida parte. Borgo, apesar de não tê-lo feito por causa de um luto familiar, também deixou a Venezuela, há mais de 13 anos, ao ver seu país começar a agonizar.

Em entrevista por telefone de Madri, ela conta: “O romance responde a um processo pessoal a partir do meu sentimento de exilada, de alguém que já não reconhece mais o seu país e que, ao mesmo tempo, carrega uma sensação de culpa por tê-lo abandonado, algo que passa a muitos venezuelanos jovens que foram embora. Este é um romance sobre uma geração. Vai dos 10 anos de idade da protagonista aos 30,
espaço de tempo em que vê seu país ir morrendo”.

 

A jornalista e escritora venezuelana Karina Sainz Borgo, autora do livro 'Noite em Caracas' (ed. Intrínseca)
A jornalista e escritora venezuelana Karina Sainz Borgo, autora do livro 'Noite em Caracas' (ed. Intrínseca) - Julián Rojas/El País

Segundo relatório da Acnur, agência da ONU para refugiados, já são mais de 4 milhões os venezuelanos que deixaram o país por causa da crise.

Borgo conta que a perspectiva do livro é quase toda feminina. Tanto ela como sua protagonista “veem a relação do país como uma relação de mãe e filha”. “Tenho a convicção de que a Venezuela é uma sociedade matricêntrica. A mãe alimenta e protege, mas por outro lado provoca fricção e às vezes nos leva a ir embora.” Deste modo, a mãe da protagonista é como uma alegoria de um país que morre.

No romance, figuras políticas centrais da crise atual não são nomeadas, mas há alguns personagens simbólicos que representam a “revolução bolivariana”, como La Mariscala. “Ela é quem entra em sua casa, vigia e exerce violência em nome daqueles valores que o regime defende.”

Há, porém, um personagem masculino importante, Santiago, “que representa a juventude”. Borgo conta que se inspirou nos garotos que participam dos protestos e se jogam com a vida diante das bombas de gás lacrimogêneo ou mesmo diante da morte. “No discurso do Estado há uma recriminação deles, são chamados delinquentes, se coloca em dúvida sua reputação, se diz que são criminosos, algo muito típico dos totalitarismos.”

Borgo, que escreveu três contos sobre a crise venezuelana na Folha em maio, veio do jornalismo e diz que ainda se considera uma jornalista. “A primeira vítima de uma ditadura é a linguagem, e eu a sigo exercendo, além de sempre acompanhar como seguem na batalha os jornalistas independentes da Venezuela.”

De fato, os grandes meios televisivos foram expropriados, jornais comprados por empresários amigos do governo ou asfixiados economicamente. Porém, sobrevive uma forma de jornalismo digital, a duras penas, que de certa forma alimenta o mundo sobre o que ocorre na Venezuela. “É verdade que esses jornalistas dos meios independentes online são muito valentes e o que fazem é comovente, sinto grande simpatia e gratidão por eles.”

 

Já o mercado editorial venezuelano está praticamente colapsado. Principalmente porque as grandes editoras, que produziram obras e coleções que educaram gerações de estudantes latino-americanos, como a Monte Ávila editores e a Biblioteca Ayacucho, eram do Estado. “Quando se tem tanto poder editorial nas mãos do Estado, e chega um ditador, isso se transforma em poder de propaganda. Isso aconteceu com essas editoras, que já foram referência na América Latina.”

“Noite em Caracas” foi publicado em 20 países. Na maioria deles, porém, seus editores tomaram a controversa decisão de mudar o título original da novela, que é “La Hija de la Española” (a filha da espanhola), provavelmente por razões comerciais. Afinal, chama mais atenção ter a menção à crise venezuelana de cara logo no título. Perde-se, porém, a referência que Borgo faz da imigração espanhola e das tantas imigrações que formaram a sociedade venezuelana e que são importantes ao enredo.

O editor Lucas Telles, da Intrínseca, disse que “a decisão de indicar no título onde se passa a história convida os leitores a mergulharem em uma narrativa vinda de um lugar bastante próximo dos brasileiros, mas de onde recebemos informações muitas vezes desencontradas”.

Noite em Caracas
Autora: Karina Sainz Borgo. Tradução: Livia Deorsola. Ed. Intrínseca. R$ 39,90 (240 págs.)

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