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Cinema

Ameaça de extinguir a Ancine parece ser conspiração

Até a chegada de Bolsonaro, discutia-se como formar mais profissionais na área do audiovisual

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Fundado em 1694, o Banco da Inglaterra anunciou dias atrás que colocará em circulação a nova nota de 50 pounds. Escolheu para estampá-la a figura de Alan Turing. 

O matemático decifrou o código secreto nazista Enigma. Sua descoberta antecipou o final da derrocada alemã na Segunda Guerra Mundial. 

Em 1954, Turing cometeu suicídio. Os bolsonaristas da época o condenaram à castração química por ele ser homossexual. A rainha Elizabeth, em 2013, o condecorou à Ordem do Império Britânico.

Ao que eu saiba, o Banco da Inglaterra não é uma célula comunista e a nonagenária rainha não é uma marxista cultural. 

Mas no Brasil de 2019 o presidente Jair Bolsonaro demonstra diariamente sua preocupação com o c… alheio. Não mostra semelhante empenho em diminuir o desemprego histórico. Sua ameaça em extinguir a Ancine pode ser outra cortina de fumaça para esconder sua inapetência. Ao que parece isso se daria por não concordar com a aprovação de financiamento de um reality show com modelos trans

Os recursos da Ancine são oriundos em parte da cadeia audiovisual —porcentagens de ingressos de salas de exibição, das publicidades audiovisuais, das emissoras de televisão e, maior volume, das operadoras de telefonia. Não pode ser considerado dinheiro público, portanto. Apenas é gerido pelo governo. 

Se o estadista de Rio das Pedras extinguir a Ancine —em um único exemplo—, onde as emissoras a cabo irão buscar recursos para cumprir a lei de cotas de produção nacional em canais estrangeiros? No gabinete de Flavio Bolsonaro? Má notícia: lá já temos o Queiroz…

Deborah Secco em 'Bruna Surfistinha' (2011) - Divulgação

E ainda: no Congresso caminha lei para estabelecer cota de produto nacional também nos canais de vídeo sob demanda como Netflix e Amazon Prime.

As leis de cotas na TV a cabo (sintonizadas com países como França) possibilitaram aumento expressivo na indústria criativa. Até a chegada de Bolsonaro ao governo, se discutia como formar mais profissionais na área. Pela primeira vez no Brasil a publicidade, sempre muito cheia de charme, perdia bons nomes para a produção audiovisual. 

E a indústria criativa se mostrava uma excelente geradora de empregos técnicos para jovens oriundos de classes mais baixas. Aprendiam o ofício nos muitos estágios no mercado aquecido. 

Em poucos anos, surgiram excelentes profissionais —muitos deles hoje navegam em produções internacionais. 

De outro lado, com as linhas de financiamento da Ancine, os produtores de conteúdo oferecem ao público variados enfoques criativos inspirados na história e no cotidiano do brasileiro. São Paulo há anos hospeda a quarta maior Parada Gay do mundo. 

Corporativo em sua indolência, Bolsonaro se agita em arrumar emprego para os seus —filhos, sogros, mulheres. Desconsidera a imensa cadeia de empregos gerada pelas produções da Ancine. No instante em que a diversidade do audiovisual encontra canais para ser visto cada vez mais pelo brasileiro, reconhecido pelos recorrentes prêmios internacionais, o ato obsceno do presidente sugere ser uma conspiração para nos reduzir aos cursos online de Olavo de Carvalho.

Miguel de Almeida é editor, dirigiu os documentários ‘Não Estávamos Ali para Fazer Amigos’ e ‘Tunga’

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