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Apocalipse dos 'likes' no Instagram abala mundo das blogueiras de moda

Influenciadoras já pensam em como se reinventar com o fim da visualização das curtidas

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Montagem com selfies de algumas das principais blogueiras de moda do mundo e o coraçãozinho da rede social

Montagem com selfies de algumas das principais blogueiras de moda do mundo e o coraçãozinho da rede social Montagem de Jairo Malta em fotos de Camila Coelho, Camila Coutinho, Lala Rudge, Thassia Naves e Chiara Ferragni no Instagram

São Paulo

“Antes de começar, deixe seu ‘like’. Para seu deleite, posso sensualizar de biquíni, postar meu cachorro fofo de raça exótica, exibir meu namorado ou mesmo levar você para uma viagem de autoconhecimento no Butão. Curta, porque lhe mostro uma vida melhor. Gratidão, blogueira.”

Bastou uma atualização para essa vida perfeita ruir. Depois de nove anos exibindo centenas de milhões de curtidas, o Instagram passou a mostrar “likes” só aos donos das contas, eliminando, em tese, a possibilidade da última garota mais legal das redes se diferenciar de uma anônima.

Quem só usa o aplicativo para interagir com a própria bolha pode não ter sentido impacto significativo nessa mudança, mas quem usa a ferramenta para atrelar sua imagem a produtos e capitalizar com eles, como as blogueiras de moda, sentiu, no mínimo, um frio na espinha.

“Não tem como não se assustar. Fiquei preocupada como vai ser daqui para a frente. Fotos coloridas, família, meu marido. Sabia que isso tudo me dava curtidas. Daí pensei, ‘será que vai surgir outro aplicativo e engolir o Instagram?’”, reflete Cici Navarro, de 26 anos.

Dona de uma marca de jalecos fashionistas, a Dra. Cherie, que, pela influência no meio da saúde, vestiu até a Barbie numa colaboração entre a garota e a empresa que detém a boneca, a Mattel, ela acredita que suas colegas vão pensar antes de postar. Não sabe, porém, como as marcas vão reagir e comprar suas ideias. “Um print vai provar as curtidas? Quem sabe.”

Boa parte das quase 200 influenciadoras abrigadas no Fhits, uma das primeiras plataformas do mundo para gerenciamento de blogueiras, também tremeu com dúvidas. A empresária Alice Ferraz recebeu ligações de algumas delas, “as maiores, com mais seguidores”, receosas de não poderem provar seu valor sem as curtidas. A resposta já estava na ponta da língua: “Quem pediu ‘likes’?”.

De fato, ninguém. O mercado das influenciadoras, hoje, passa longe de ser só um aglutinador de curtidas para marcas. As empresas querem engajamento, ou seja, comentários, alcance de visualizações e, em certa medida, impacto nas vendas do produto usado por elas do que aquilo que Ferraz chama de aplausos.

“Porque ‘likes’ são apenas aplausos. São importantes para quem é só uma persona digital, uma celebridade que por algum motivo, geralmente por expor sensualidade ou fazer piada, consegue ‘likes’. Ela não influencia convertendo imagem em vendas”, explica. Entre suas influenciadoras estão Camila Coelho, com 8,1 milhões de seguidores, e Lalá Noleto, com 1,1 milhão.

Da mesma forma que outros especialistas do mercado, ela acredita que a mudança deve dar mais qualidade às postagens. “Ia a museus com algumas delas, fora do país, e nunca postavam nada porque diziam não dar ‘like’. Então, quer dizer que arte não pode?”

Poder, pode, mas num mercado movido por aparências, a “Mona Lisa” no Museu do Louvre ainda perde feio para um clique esparramada nos travesseiros de pena de ganso do hotel Plaza Athenné, em Paris. E é essa relação do real e do maquiado que a empresária Taciana Veloso vê na berlinda.

“Legitimar seus valores será mais importante. Quem está nesse mercado por vaidade e para alimentar o ego pode se considerar fora. Quando se escolhe um time de influenciadoras para uma ação, olha-se mais o que ela tem de particular que pode impulsionar a marca. E, olha, tem marca para todo mundo”, diz ela, que é sócia-diretora da agência de comunicação estratégica Index.

A gerente no Brasil da agência tcheca de marketing digital Social Bakers, Alexandra Avelar, tem a mesma visão otimista do mercado, que, segundo ela, pode amadurecer. “É também uma oportunidade de resolver alguns maus comportamentos na rede social e dar mais respaldo e confiança”, afirma ela.

Mau comportamento, por exemplo, seria o fato de que a indústria das blogueiras criou uma outra, para venda de curtidas e seguidores, que fez brotar uma série de perfis falsos para distribuir joinhas a quem quer se vender como estrela virtual. É o famoso “troco likes por dinheiro”.

Quatro meses antes de limar o contador, o Facebook, dono do Instagram, entrou na Justiça americana com processos contra empresas da China que montaram “fazendas de likes”, espaços com milhares de celulares interconectados para curtir as postagens dos clientes.

Na moda, o troca-troca encheu as salas de desfiles, os planos de anúncios e a planilha de presentinhos 
caros das grifes com influenciadores tão fakes quanto as curtidas compradas.

Oficialmente, porém, o Instagram apontou a competição, o bullying crescente e os danos causados pelas curtidas no psicológico dos jovens como motivos por trás da mudança. E faz sentido.

Segundo a psicanalista Vera Iaconelli, também colunista deste jornal, “as blogueiras causam uma dor profunda em adolescentes à medida que vendem uma imagem aparentemente possível de alcançar”.

“Adolescentes sempre vão procurar espelhos, mas antes eles eram sabidamente inalcançáveis. Ninguém achava que seria a Marilyn Monroe, apesar de tê-la como modelo. A partir do momento que essas meninas [blogueiras] colocam como acessível a magreza, o guarda-roupa de grifes e a vida glamorosa, os jovens passam a acreditar que podem chegar ali. É um gatilho de depressão e ansiedade”, explica Iaconelli.

Talvez por isso, hoje, Camila Coutinho seja uma das influenciadoras com maior êxito comercial do mundo. Na visão dela, que tem 2,4 milhões de seguidores, passe livre nas semanas de moda internacionais e coleções assinadas com gigantes do varejo como Hering e Riachuelo, seguidores querem se enxergar na foto.

“As fórmulas prontas, os fotógrafos contratados para produzir e a maquiagem perfeita são passado. Ninguém quer se sentir incomodado com a imagem, mas sim se conectar com ela. Fazer uma foto com o próprio celular, escrever textão, alimentar o blog e mostrar vulnerabilidade engajam bem mais”, diz ela, que começou há 13 anos assinando o blog Garotas Estúpidas.

Autora do livro “Estúpida, Eu?”, em que expõe meandros do universo “influencer”, Coutinho afirma que a falta de verdade atrapalhou um mercado, bastante carente de conteúdo autêntico.

O fim dos “likes” seria, então, um passo para espanar o simulacro de vida, os looks do dia e os sorrisos constantes expostos nas contas. “Até porque, as pessoas já sentem o cheiro da verdade.”
 

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