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Cinema

Francês 'Boas Intenções' debocha tanto das elites quanto dos imigrantes

Sob forma de sátira social, longa conta história de uma mulher da classe alta parisiense dedicada a trabalhos humanitários

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Boas Intenções (Les Bonnes Intentions)

  • Elenco Agnès Jaoui, Alban Ivanov, Claire Sermonne
  • Produção França, 2018
  • Direção Gilles Legrand

É da natureza do cinema francês enfrentar as questões fundamentais de seu tempo. Em época de acirrada polarização política, intensos fluxos migratórios e dissolução das identidades nacionais, não é de se surpreender que a questão dos refugiados se torne cada vez mais objeto de representação.

Depois de “Dheepan” (2015) , dirigido por Jacques Audiard —vencedor da Palma de Ouro–, “Samba” (2014), de Olivier Nakache e Éric Toledano, perpassando pelo menos conhecido “Aïssa” (2014), curta de Clément Tréhin-Lalanne concorrente em Cannes, os infortúnios da imigração ganham agora novo retrato na cinematografia do país: “Boas Intenções”, de Gilles Legrand.

Sob a forma de sátira social, tentando equilibrar humor e reflexão, o longa conta a história de Isabelle (Agnès Jaoui), uma mulher de meia-idade da classe alta parisiense, dedicada a trabalhos humanitários.

Professora em um centro de imigrantes, acuada pelo temperamento histérico dos alunos e pelas exigências diárias da família, Isabelle não se encaixa em nenhum dos espaços de seu cotidiano; é uma estrangeira dentro da própria vida.

Audacioso na busca de não simplificar os interesses em jogo, evitando posições maniqueístas —e buscando injetar humor em assunto delicado—, “Boas Intenções” mira complexidade sem perder a leveza.

Contra a vitimização e o deslumbre, “Boas Intenções” debocha tanto das elites quanto dos estrangeiros recém-chegados, em proposta que tropeça ao tentar abarcar diversas perspectivas em um único enredo. Seja em termos políticos ou cinematográficos, o que poderia ser um registro cômico dos meandros da sociedade não demora a tornar-se falta de objetivos claros.

No conteúdo, aposta na fraternidade dos imigrantes, nos laços que os unem e na entrada no mercado de trabalho como verdadeira chave para inserção na sociedade. Ao mesmo tempo, em escolha questionável, constrói que o sucesso tem como obstáculo não apenas os estigmas sociais, mas também certa tolice ou ingenuidade incontornáveis dos recém-chegados.

Na forma, adotando os manuais do cinema clássico – e, portanto, sendo avaliado sob esses critérios -, o longa demora a decidir quais os reais conflitos da personagem, o que a motiva, o que pretende, contra o que se opõe. Surpresas e viradas são colocadas ao acaso, em funcionamento típico de comédias preocupadas apenas em fazer rir. Funcionamento este, no entanto, ao qual “Boas Intenções” não parece querer se reduzir.

Ao escorregar com frequência nos estereótipos que tenta combater, o longa sobrevive pelo talento de Agnès Jaoui. Filme de personagem, daqueles que poderiam levar o seu nome como título, “Boas Intenções” é mais um a depender da entrega de sua atriz principal para segurar a plateia. E nisso, não falha.

Apesar das boas intenções que a obra (e não apenas sua protagonista) genuinamente parece ter, Legrand cai nas próprias armadilhas. Sagaz em alguns diagnósticos, democrático na simplicidade, afetuoso com seus personagens, mas inevitavelmente aristocrático na tentativa de sê-lo.

É assim que a postura destemida do filme nos relembra que, embora haja méritos nos corajosos, são eles também os primeiros a padecer.

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