O plano do governo de Jair Bolsonaro de reestruturação da Agência Nacional do Cinema, a Ancine, inclui a possibilidade de acabar com a regulação pública no setor audiovisual brasileiro.
No caso da extinção do órgão federal, o que é defendido publicamente pelo presidente, a ideia em estudo é distribuir atribuições, como fomento e fiscalização, entre as secretarias subordinadas à especial de Cultura, como a de Audiovisual e a de Fomento e Incentivo.
As mudanças na agência reguladora estão sendo analisadas pela Secretaria-Geral da Presidência da República, comandada pelo ministro Jorge Oliveira.
O ministro disse que se trata de um "tema delicado" e que há várias hipóteses em análise, como acabar com o órgão federal por meio de medida provisória a ser enviada ao Congresso. Segundo ele, ter uma agência reguladora para a atividade audiovisual é uma medida opcional.
"Não é uma obrigação, é uma opção", disse à Folha. "O que está em análise agora é a definição de um formato futuro", acrescentou.
O presidente já definiu que, mesmo que a Ancine seja mantida em uma configuração esvaziada, ela não irá mais administrar o Fundo Setorial do Audiovisual, o FSA, cuja dotação para este ano é de R$ 724 milhões. O montante é hoje uma fonte relevante de incentivo ao mercado de cinema e de televisão no país.
Na avaliação de produtores culturais ouvidos pela Folha, as mudanças devem aumentar a ingerência do Poder Executivo tanto na destinação de recursos como na fiscalização do setor audiovisual, já que as funções ficariam a cargo de auxiliares presidenciais, não de diretores com mandato.
Nesta terça-feira (30), a Associação dos Servidores Públicos da Ancine divulgou nota pública em que defende a manutenção do órgão regulador, ressaltando que ele foi criado para diminuir a "intervenção estatal direta na economia" e é semelhante a estruturas existentes no Canadá, Reino Unido, França, Argentina e México.
"Naturalmente, aperfeiçoamentos são necessários na gestão e nos instrumentos, buscando ampliar os resultados junto à sociedade brasileira", diz a nota. "Nesse sentido, a entidade defende o diálogo construtivo para o fortalecimento das instituições e o aprimoramento dos mecanismos."
A principal crítica feita pelo governo é de que a Ancine é aparelhada por gestões passadas, alinhadas sobretudo à esquerda, e passou anos sem prestar contas públicas sobre suas atividades.
O retorno dos investimentos nas produções nacionais é outro motivo de reclamação. Desde dezembro de 2007, quando foi regulamentado, somente seis obras cinematográficas deram retorno acima do aplicado, segundo o mais recente relatório de gestão.
Ao longo dos anos, com o aprofundamento da crise econômica no país, o FSA sofreu reiterados cortes. Desde 2015, o orçamento teve redução nominal, sem correção inflacionária, de 30%.
Sérgio Sá Leitão, ex-ministro da Cultura, defende que, em vez de extinguir a Ancine, o atual governo deveria aperfeiçoar os critérios de aporte dos recursos.
“O que tem de acontecer é um aprofundamento desse processo, com a manutenção da Ancine e do FSA sob a sua gestão”, disse à Folha.
Segundo ele, no ano passado, foram feitas mudanças nos parâmetros usados para investimentos nas produções audiovisuais, adotando a chamada pontuação automática, baseada nos desempenhos artístico e comercial e na quantidade de obras do diretor, produtor ou distribuidor.
“Nós precisamos melhorar esses resultados, porque senão, com uma performance dessas, esse sistema de fomento está sujeito à crítica pública”, afirmou.
Na semana retrasada, o presidente assinou decreto que transferiu da Cidadania para a Casa Civil o Conselho Superior de Cinema, responsável pela formulação da política nacional de audiovisual.
A iniciativa foi criticada pelo setor cinematográfico, uma vez que a pasta não é encarregada da gestão cultural.
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