Descrição de chapéu Flip

Holocausto e tentativa de criar Israel ofuscaram histórias pessoais, diz escritora

Ayelet Gundar-Goshen tenta mostrar pequenos enredos por trás das grandes narrativas

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Paraty (RJ)

O trabalho do escritor é descobrir os segredos mais íntimos de seus personagens, é expor o que não querem mostrar, da mesma maneira que psicólogos e jornalistas precisam achar o que muitos tentam esconder.  Foi assim que a escritora israelense Ayelet Gundar-Goshen sintetizou seu ofício, durante mesa na Flip ao lado da escritora nigeriana Ayobami Adebayo, com moderação da historiadora Lilia Schwarcz.

“Quando crio um personagem, a primeira coisa que faço é achar o segredo que ele tem e não conta a nem uma única pessoa, isso é o mais importante na criação do personagem”, disse a autora de “Uma noite, Markovitch” (400 págs., R$ 64,90, ed. Todavia) vencedor do Sapir Prize e outros prêmios. Gundar-Goshen tem mais dois romances publicados, ainda sem tradução para o português.

Descritas como “grandes contadoras de histórias” pela moderadora, as duas escritoras fizeram livros que versam sobre amores impossíveis, maternidade e luto, em “sociedades que podem ser consideradas modernas, mas também bastante provincianas, como a nossa”.

“Fique comigo”, de Adebayo (240 págs., R$ 37, HarperCollins), conta a história de uma mulher que não consegue engravidar e a pressão para que ela e seu marido aceitem que ele tenha mais uma mulher, seguindo a poligamia tradicional em partes da Nigéria. O romance de 2017, foi eleito como um dos melhores do ano pelo jornal Guardian e o Financial Times.

Inspirado em histórias reais, “Uma Noite, Markovitch” retrata uma judia tentando fugir da Europa nazista que aceita um casamento arranjado para chegar à Palestina. O acordo é que o arranjo seria desfeito quando ela chegasse, mas seu “marido” se apaixona e se recusa a abrir mão da “esposa”.

“O que faria alguém insistir em manter uma coisa mesmo sabendo que não lhe pertence? Tento responder esta pergunta. E isso vale também para um pedaço de terra, por exemplo”, disse Ayelet.

Indagada se poderia fazer uma ligação entre o homem que se sente proprietário de algo que não lhe pertence e a disputa de terras entre israelenses e palestinos, ela afirmou: “no livro, há uma confusão entre amor e obsessão, e acho que essa confusão também se aplica ao Estado de Israel”. “Alguns israelenses acham que​, por terem sido privados de uma terra por tanto tempo, são autorizados a agir como agem. Do mesmo jeito que Markovitch, após finalmente conseguir uma mulher”

A israelense afirma que tenta mostrar as pequenas histórias por trás das grandes narrativas. Por exemplo, o heroísmo da tentativa de criar um Estado para o povo judeu ofuscava qualquer história ou problema subjetivo. Quando a personagem do livro insiste que quer se separar, a reação é de que há coisas mais importantes a se fazer do que cuidar de sua tragédia pessoal. “'Você pode aguentar um pouco seu sofrimento até terminarmos a guerra?' parece ser a pergunta", diz.
 
Já Adebayo falou sobre como a questão de gênero é abordada em seu livro, principalmente a pressão para que mulheres tenham filhos. “Quando um casal não pode ter filhos, é a mulher que sempre precisa lidar com o problema, ela é que é considerada menos mulher o fato de ela não ter filhos faz com que seja menos respeitada na sociedade”, diz.

Ela lembrou de uma frase que ouvia na sua infância, que alguém dizia quando ouvia uma pessoa ofender uma mulher: “Eles diziam: por que você está falando desse jeito, ela pode ser mãe de alguém. Ou seja, quando a mulher não é mãe de ninguém, tudo bem falar de forma grosseira?”.

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