Kondzilla desbrava Netflix e estreia série com funk, fé em Cristo e vida bandida

'Sintonia', a ser lançada em agosto, tem 'playboy da favela', igreja evangélica e traficante de drogas

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São Paulo

Por volta de 2012, o funk se estabelecia em São Paulo. Presente na Baixada Santista desde os anos 1990, o gênero só chegou com força à capital na virada da década de 2000 para 2010.

Na época, o canal do Kondzilla, hoje o maior do YouTube no Brasil —e um dos maiores do mundo, com mais de 50 milhões de inscritos—, estava em plena ascensão, definindo a identidade visual com a qual o funk paulista entrou no imaginário popular.

“Desde adolescente, sempre pensei que, se pudesse trabalhar com audiovisual, queria contar umas histórias que ouvi ou presenciei”, diz Kondzilla. “O gatilho foi quando a mídia ficou sabendo do nosso trabalho com o funk ostentação, e estava indo muito contra nós.”

 

No dia 9/8, chega à Netflix a série “Sintonia”, idealizada pelo videomaker, que conta a história de três amigos enfrentando diferentes desafios para se dar bem em uma favela de São Paulo.

De muitas maneiras, os seis episódios da primeira temporada são a expansão do universo que ficou marcado nos vídeos no YouTube. Se os clipes de Kondzilla apresentavam um estilo de vida, “Sintonia” fornece o contexto.

Aí estão incluídos os cortes de cabelo “blindados” ou “chavosos”, a febre das camisetas polo, a comunicação frenética por WhatsApp, os fluxos (festas com carros de som na rua) e toda a correria para ganhar a vida na favela.

“O desejo original era contar uma história de um ponto de vista muito único sobre um ambiente e pessoas que nunca são retratados e que não se identificam em nenhum outro lugar”, comenta Rita Moraes, que produziu a série ao lado de Felipe Braga.

A dupla, que trabalhou junta em “Samantha!”, soube da ideia de Kondzilla de fazer um curta sobre três jovens da periferia que queriam comprar um tênis caro. “Pô, mas um tênis não sustenta três temporadas”, ri o videomaker.

Depois de negociações, o curta virou série e os amigos ganharam objetivos diferentes. O protagonista, MC Doni (MC JottaPê), é um “playboy na favela” e “favelado entre os playboys”, herdeiro de um mercado local e funkeiro iniciante; Rita (Bruna Mascarenhas), após um problema com uma amiga, encontra oportunidade de reabilitação na igreja evangélica; Nando (Christian Malheiros) segue carreira no crime organizado.

Para o papel do MC Doni, o escolhido foi um MC da vida real. Contratado da Kondzilla, JottaPê está fazendo sucesso com “Sentou e Gostou”, a versão funk de “Old Town Road”, hit de Lil Nas X. Antes de ser cantor, contudo, ele tem uma carreira mirim como ator, incluindo participações em comerciais, novelas e até o papel principal de “Menino da Porteira” (2009).

O diretor Johnny Araújo (“Legalize Já”) lembra das gravações de uma cena de show: “Ele ficou lá cantando, esqueceu que era uma gravação”.

Além de evitar alguém menos familiarizado com o universo —o que contribuiria para a abordagem caricatural geralmente dada ao funk e à favela no audiovisual—, a escolha de um MC-ator favoreceu a confecção da trilha. JottaPê gravou as músicas originais e também as cantou no filme, escapando das típicas cenas forçadas de playback.

três jovens
Os protagonistas de 'Sintonia', série da Netflix com Kondzilla - Christian Gaul/Netflix

Ao tratar do funk, “Sintonia” exibe um ecossistema relativamente recente na indústria musical de São Paulo. É possível ver a evolução de um hit do gênero, desde sua criação  e gravação até o esquema de empresários, parcerias, direitos autorais e promoção, passando pelas maratonas de shows em uma mesma noite, o desconforto nos eventos de classe alta e programas de TV.

Mas o funk não é tema exclusivo da série. Uma das instituições mais presentes do Brasil atual, a igreja evangélica é retratada tanto como espaço acolhedor quanto antro capitalista. “Existe o lado espiritual, que é legítimo, autêntico, verdadeiro e transformador. Além disso, existe um lado corporativo”, analisa Kondzilla.

A intérprete de Rita, Bruna Mascarenhas, é uma carioca que não faz feio no sotaque paulista. Estreante em um grande papel, ela foi selecionada faltando apenas duas semanas para as gravações, quando a atriz que havia sido chamada desistiu do trabalho. Rita enfrenta problemas familiares e encontra conforto e ambição profissional na igreja.

O terceiro núcleo é o do crime, onde Christian Malheiros (indicado a um prêmio Independent Spirit por “Socrates”) dá vida a Nando. “Apesar de ser em São Paulo, não é a história da instituição [criminosa]. É a história da pessoa, e do caminho que ela escolheu”, diz Kondzilla. Responsável e extremamente estrategista, o personagem vive sem a chance de erro, e o custo pode ser sua vida ou liberdade.

Na série, Nando é amigo do MC Doni, o que joga luz sobre a relação entre funk e crime organizado, até hoje explorada pela polícia. Enquanto “Sintonia” é lançada, o DJ Rennan da Penha —responsável pelo nacionalmente conhecido Baile da Gaiola, no Rio de Janeiroestá preso desde abril.

Segundo Kondzilla, ele é um “alvo do Estado”. “Alguém ali precisava cumprir uma tarefa, não teve coragem de prender quem precisava. O Rennan estava mais exposto”, comenta.

Mesmo com cenas mais tensas e momentos dramáticos, “Sintonia” tem o teor pop que é característica comum nas produções recentes da Netflix. A nova série, contudo, parece mais adequada para exportação do que “Coisa Mais Linda”, equivalente da  plataforma de streaming sobre o universo da bossa nova. “Sintonia” retrata um estilo de vida urbano, em alta ao redor do mundo, seja com o rap americano ou o reggaeton colombiano.

Há também um frescor na abordagem da favela. “Não é sobre alguém [de fora] que conhece alguém na favela. Periferia sempre foi abordada dessa maneira. Agora, não. Essa é uma série sobre a periferia”, diz Johnny Araújo.

Sintonia

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