Descrição de chapéu

Longe da ociosidade, Pacaembu revela vitalidade despercebida

Em meio ao processo de concessão à iniciativa privada, é preciso se atentar à vida do espaço

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Pacaembu, em São Paulo, de Paola Ornaghi

​Antes de começar as obras, ao visitar os galpões que viriam a se tornar o Sesc Pompeia, Lina Bo Bardi ficou encantada com crianças jogando bola, mães fazendo sanduíches e churrascos, anciões conversando. A arquiteta disse “isso tudo deve continuar assim, com toda essa alegria”. E continuou. Basta ir à rua Clélia para ver.

Décadas depois, São Paulo defronta-se com uma situação semelhante: o Pacaembu. Em meio ao seu processo de concessão à iniciativa privada, é preciso atentar-se à vitalidade existente no centro poliesportivo.

Este é espaço de fruição de centenas de paulistanos, como o cinegrafista Rodrigo Menck, 47, morador de Santa Cecília, que frequenta a piscina olímpica: “Há dez raias e, nos dias quentes, cada uma é ocupada por três ou quatro pessoas”.

Nos lances da arquibancada em forma de ferradura do centro aquático, dezenas de pessoas tomam sol sobre toalhas estiradas. Não há esnobismos nos trajes e condições físicas. Nos dias atuais, é uma rara cena de hedonismo sem ostentações instagramáveis.

Além dos senhores aprendendo a nadar na terceira idade, há muitos cursos gratuitos e repletos de alunos de tênis, judô, tai chi chuan, futsal, pilates, entre outros.

Esse dinamismo revela-se exuberante na série fotográfica de dupla exposição analógica de Paola Ornaghi, 29, residente em Pinheiros e também frequentadora do complexo. Suas imagens afiguram um tempo que não conseguimos precisar qual é. Bem representariam a condição na década de 1940, quando o conjunto arquitetônico Art Déco foi inaugurado, contudo as fotos são recentes. Indicam o Pacaembu como lugar de convergência, sem turistificação, de ambiências do passado e presente.

Se hoje valorizamos lugares pelas multidões e cifras que recebem, o complexo esportivo encanta pelo cotidiano plácido. A autora ressalta suas imagens em que “o muro sobrepõe-se às pessoas na borda da piscina, as quais avistam o horizonte por trás dessa barreira. Afinal, as atividades dali não são visíveis para a cidade.”

Quem passa de carro vê sobretudo um longo muro. Não há faixa de pedestres em frente à portaria do centro esportivo. Não é cômodo chegar vindo de transporte público. Assim apartado, o clube do Pacaembu tem aura de segredo.

Se, por um lado, isto indica que o complexo esportivo pode receber mais atividades na estrutura existente, por outro, a discrição do lugar fez dali berço de um senso comunitário —uma exceção na pauliceia. Denis Joelsons, arquiteto, 31, morador da Paulista e usuário da piscina olímpica, relata que o Pacaembu “é um espaço democrático com mistura de classes sociais e de faixas etárias. Os frequentadores acabam se conhecendo e trocando experiências”.

Contrapondo-se ao processo de concessão, Ornaghi visa com as fotos questionar “como garantir a frágil mas presente vida urbana do Pacaembu”.

São positivas as propostas de demolição do “Tobogã” em prol de uma nova estrutura e conversão do estacionamento interno em praça de pedestres.

Entretanto, seja qual for o arranjo político-jurídico, o mais importante é garantir o caráter popular do Pacaembu. Escutar os frequentadores. Atentar-se ao valor público do que existe. Seguir a lição de Lina: preservar e potencializar o contexto humano.

Francesco Perrotta-Bosch é arquiteto e crítico de arquitetura

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