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Medo do número 13 e política literária guiam cartas de amigo de Euclides da Cunha

Em manuscritos inéditos, escritor dizia ter visões de uma certa mulher de branco

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São Paulo

​Todo ano, a Flip acaba por injetar um novo vigor à recepção da obra de cada autor homenageado —e, não é incomum, mesmo com nomes que em geral pertencem a um cânone para lá de consolidado, surgirem novidades.

Para alguns, o autor celebrado pode parecer só mais um defunto ilustre a descansar com suas medalhas —mas, vejam só, ele ainda respira.

O homenageado, escolhido neste ano por Fernanda Diamant, curadora da festa literária e acionista do Grupo Folha, é Euclides da Cunha. E também no caso dele as novidades não estão esgotadas.

O Instituto Moreira Salles, o IMS, prepara para esta edição do evento literário a revelação de um grupo de cartas inéditas enviadas por Vicente de Carvalho, poeta conhecido por seus versos sobre o mar, a seu amigo e autor de “Os Sertões”.

Elas são o tema de um artigo de Elvia Bezerra, coordenadora de literatura do IMS, que sai na Serrote 32 ½, edição especial da revista de ensaios do instituto, que circula só na Flip.

Ao todo, são 24 cartas. Elas estavam encadernadas num álbum de fotos comprado pelo IMS do acervo de um marchand. Já que trazia fotos, o volume foi encaminhado para a sala onde o instituto acondiciona obras de arte. 

Cartas de Vicente de Carvalho a Euclides da Cunha
Cartas de Vicente de Carvalho a Euclides da Cunha - Divulgação

“Quando fizemos uma arrumação, vimos que tinha cartas de Vicente de Carvalho manuscritas e originais. Pedimos que o álbum viesse para o departamento de literatura”, afirma Bezerra.

Para ela, a descoberta joga luzes sobre a relação dos dois —até hoje pouco explorada. Oito cartas de Euclides para o amigo já eram conhecidas; Não havia notícias de nenhuma que tivesse feito o caminho contrário.

O conjunto mostra uma amizade marcada tanto por superstições quanto pela política literária do começo do século 20, ressalta Bezerra em seu artigo. Que Euclides era supersticioso já se sabia pelas pesquisas de Roberto Ventura —o que mesmo assim surpreende, já que o autor era tido como um sujeito da ciência.

O autor relatou a um outro amigo, por exemplo, ser perseguido pela visão de uma mulher de branco que lhe dizia: “A estrada do cemitério já chegou à porta da fazenda”.

O pavor do sobrenatural aparece quando os dois começam a tramar para Vicente de Carvalho ser eleito para a Academia Brasileira de Letras. O poeta chega a se candidatar, mas desiste. Biloca, sua mulher, intui que é perigoso —afinal, a vaga é para a “cadeira fatídica” de número 13, na qual, escreve o amigo, “sucumbiram o Taunay, Francisco de Castro e Martins Júnior”.

A má sorte acharia Carvalho eventualmente. Dado a pescarias, ele se feriu numa delas e, com uma inflamação, teve o braço amputado. “Camões não foi manco de um olho? Eu sou caolho de um braço”, dizia.

Quando fundou um jornal, Carvalho pediu um texto para o amigo ilustre. “Preciso como de pão para a boca de tua admirável prosa (...). Sê generoso, nababo!”, escreve ele.

Carvalho só seria eleito para a ABL em 1909. “A Biloca manda-te parabéns pelo teu triunfo —porque a minha eleição foi um triunfo teu”, escreveu.

Em uma missiva de janeiro daquele ano, o poeta diz a Euclides estar alarmado com a “rajada de desgraças” que o amigo lhe relatara. 

A resposta do autor de “Os Sertões” veio em fevereiro: “Quem definirá um dia essa Maldade obscura e misteriosa das coisas, que inspirou aos gregos a concepção indecisa da Fatalidade?”. Em agosto, Euclides entraria armado na casa do amante de sua mulher e sairia de lá morto.

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