Descrição de chapéu
Cinema

Na era MeToo, princesas miram a política e vilões já não são mais divas

Novas versões da Disney fogem dos estereótipos, com mocinhas independentes e gays dissociados do mal

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

 Naomi Scott como Jasmine no live-action da Disney

Jasmine ganhou música solo, 'Speechless', em que grita para quem quiser ouvir: 'não serei silenciada, vocês não podem me manter quieta' Daniel Smith

São Paulo

Um detalhe que nos anos 1990 podia não causar barulho mas que hoje desencadearia discussões acaloradas passa despercebido na ficha técnica de “O Rei Leão” original —75% de seu elenco felino eram atores brancos.

No clássico da Disney, Matthew Broderick, Moira Kelly e Jeremy Irons emprestaram suas vozes a Simba, Nala e Scar. Isso talvez não fosse problema se a história não se passasse na África e não fosse embalada por canções inspiradas na música do continente.

 

Agora que o filme ganhou releitura pelas mãos de Jon Favreau, a Disney viu uma oportunidade de se redimir. Escalou para os papéis Donald Glover, Beyoncé e Chiwetel Ejiofor, respectivamente. Os 25% restantes são de James Earl Jones, o Mufasa, única voz original mantida nesta versão.

Depois da migração de desenho para CGI, o elenco é a grande diferença do filme. Mas ela é acompanhada de atualizações que têm tomado conta das refilmagens da Disney —nem sempre de forma sutil.

A leoa Nala, neste “O Rei Leão”, é muito mais destemida, assim como a mãe de Simba. Essa tendência de empoderar as personagens femininas de suas tramas também é observada na versão live-action de “Aladdin”, agora em cartaz.

Nesta adaptação, a princesa Jasmine tem aspirações muito maiores e quer ocupar o lugar de sultão do pai. Ela até ganhou uma música solo, “Speechless”, em que grita para quem quiser ouvir —“não serei silenciada, vocês não podem me manter quieta”.

Outras princesas —agora heroínas— que foram repaginadas para levantar bandeiras feministas são Bela, de “A Bela e a Fera”, de 2017, e a protagonista de “Cinderela”, de 2015.

Sim, elas terminam seus filmes ao lado de príncipes, mas Bela virou inventora e Cinderela encontra na imagem da mãe a força para definir seu futuro.

Mesmo que sejam histórias “de menina”, porém, nenhuma das refilmagens foi dirigida por mulheres. A primeira está por vir —será “Mulan”, que estreia no ano que vem.

Niki Caro foi escolhida para comandar o longa, que se distanciará expressivamente da animação de 1998, começando pelo fato de não ser musical.

Provavelmente a mudança que será sentida com maior pesar pelos fãs é a inexistência do dragão Mushu. Ele não marcará presença na versão, já que sua representação debochada e malandra destoa do tom sério e fiel à lenda chinesa adotado pelo filme.

Mas há muito mais do que reparação histórica nas alterações promovidas pela Disney. A China é hoje um dos cinco maiores mercados cinematográficos do mundo e, em 1998, rejeitou “Mulan”.

A firma do Mickey também vem tentando agradar a população afro, impulsionada pelo sucesso de “Pantera Negra”, no ano passado, que acumulou elogios de nomes como Spike Lee, além de quase R$ 5 bilhões em bilheteria.

Louvadas por alguns, criticadas por outros, as adaptações que miram a representatividade ganharam as redes sociais no início deste mês.

A Disney prepara uma versão com atores de “A Pequena Sereia”, de 1989. Para a releitura, escalou, como Ariel, a cantora negra Halle Bailey, que tem sofrido ataques na esfera virtual desde o anúncio.

Para maltratar a mocinha, o estúdio sonda a atriz Melissa McCarthy, que pode encarnar a vilã Úrsula. No filme original, os animadores tomaram a figura da drag queen americana Divine como inspiração para o estilo extravagante da bruxa do mar.

Agora, os trejeitos desmunhecados que costumam ser associados a homens gays parecem já não personificar mais todo o mal nas novas versões.

Dois exemplos são Jafar e Scar, das releituras atuais de “Aladdin” e “O Rei Leão”, respectivamente. Mais masculinizados, eles já não flertam com as características afeminadas, a fala arrastada, o sarcasmo e a preocupação excessiva com a estética atrelados ao estereótipo da “bicha má”. Por décadas, ela serviu para lastrear a associação da homossexualidade àquilo que é amoral e à representação enviesada dos gays nas telas.

Além dos traços delicados (que lembram maquiagem) de Jafar e o zelo de Scar com suas unhas, havia, por exemplo, as joias do governador Ratcliffe, em “Pocahontas”, e os conselhos sobre garotos que Hades dá a Meg, em “Hércules”. Detalhes como esses fizeram com que os vilões fossem parar no imaginário de muita gente como verdadeiras divas.

Mas, se por um lado, a Disney parece estar desassociando seus vilões da homossexualidade, por outro ainda engatinha na hora de retratar personagens gays de forma realista e destacada nas tramas.

Lançado em abril, “Vingadores: Ultimato” apresentou ao público o primeiro personagem abertamente gay da Marvel. Em vez de super-herói, porém, ele era um coadjuvante, interpretado por Anthony Russo, codiretor do filme, por poucos segundos.

Já os filmes live-action baseados em contos de fadas saíram do armário antes. Foi em “A Bela e a Fera”, de 2017, que LeFou ganhou novo motivo para acompanhar Gaston —uma quedinha pelo vilão.

Mas a orientação sexual do personagem só foi escancarada nos minutos finais da trama. Enquanto os personagens valsam e trocam de pares em um salão, LeFou vai parar nos braços de um homem. Eles se olham e dançam juntos.

Parece o mínimo a esperar de um longa-metragem dirigido por um homem gay e que escolheu o ator Luke Evans, também homossexual, para interpretar, ironicamente, o próprio Gaston.

Movido pela vontade de “levar Bela ao altar”, o personagem é outro que abandonou a metrossexualidade para receber traços mais masculinos.

Com uma longa fila de refilmagens programadas, são várias as possibilidades de reinterpretar histórias e atender a demandas sociais. Enquanto isso, fãs da Disney que ainda não se sentem representados aguardam para enfim fazer parte desse mundo.


próximos live-action da disney

‘Malévola: Dona do Mal’
Inspirado em ‘A Bela Adormecida’ (1959), estreia em outubro

‘A Dama e o Vagabundo’
Estreia em  novembro no novo serviço sob demanda da Disney

‘Mulan’
Estreia em março de 2020

‘Cruella’
Inspirado em ‘101 Dálmatas’ (1961), está previsto para estrear em dezembro de 2020

animações que devem ganhar refilmagens

‘Branca de Neve e os Sete Anões’

‘O Corcunda de Notre Dame’

‘A Espada Era a Lei’

‘Hércules’

‘Lilo & Stitch’

‘A Pequena Sereia’

‘Pinóquio’

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.