Nasa reproduz até posição de canecas ao restaurar a sala do projeto Apollo

Aberta a visitas, centro de controle da missão é renovado nos 50 anos da viagem do homem à Lua

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A sala de controle do Johnson Space Center, em Webster, Texas

A sala de controle do Johnson Space Center, em Webster, Texas Todd Spoth/The New York Times

David W. Brown
Houston | The New York Times

Depois que Gene Kranz se aposentou, na década de 1990, ele começou a conduzir convidados importantes em visitas ao Johnson Space Center, da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) americana.

Trabalhando lá, no Centro de Controle de Missão do projeto Apollo, Kranz teve um ponto de vista quase incomparável sobre os momentos mais elevados e os mais dramáticos da corrida à Lua. Como diretor de voo, ele ajudou a comandar a complexa operação técnica e humana que dirigiu a triunfante alunissagem da missão Apollo 11, 50 anos atrás. Também ajudou a reorientar e motivar os controladores de voo da Nasa depois da tragédia da Apollo 1, em 1967, quando os astronautas Gus Grissom, Ed White e Roger

Chaffee morreram em um incêndio durante uma simulação de lançamento. O controle de missão saiu claramente abalado da experiência.

Depois de aposentado, Kranz sempre chegava com antecedência nos dias de visita, para fiscalizar o local.

Tinha de retirar lixo dos consoles de computadores que um dia haviam conduzido homens à Lua. Garrafas de água, latas de refrigerante. Ele costumava esvaziar latas de lixo repletas.

“O lugar não era representativo do controle de missão histórico”, disse Kranz. E a bagunça técnica também era considerável. “A configuração dos consoles não representava de forma alguma o ponto em que estávamos e o que tínhamos feito”.

Na sexta-feira, Kranz e Jim Bridenstine, o administrador da Nasa, cortaram a fita para a reinauguração oficial do Centro de Controle de Missão Apollo. Foi um projeto de três anos e custo de US$ 5 milhões, e cada centímetro do local que serviu como centro nervoso das aspirações lunares dos Estados Unidos foi reformado e reparado. A reabertura surge três semanas antes do 50º aniversário do salto gigantesco para a humanidade de Neil Armstrong, e é parte do lançamento das festividades nacionais sobre o projeto Apollo.

O controle de missão do projeto foi abandonado em 1992, e todas as operações foram transferidas a um centro de controle modernizado localizado em outra área do edifício. Os empregados do centro, seus amigos e familiares - na verdade, qualquer pessoa que tivesse acesso ao Edifício 30 - estavam autorizados a visitar o centro abandonado, se acomodar, fazer uma pausa para o almoço e tirar fotos.

Os visitantes estavam autorizados a levar com eles um botão, alavanca ou controle dos consoles —qualquer coisa pequena, como lembrança pessoal de uma realização americana que estava ficando no passado. Os tecidos que revestiam a mobília e o carpete do piso se deterioravam mais e mais. A sala vivia na penumbra - os equipamentos não tinham eletricidade. Fios soltos pendiam dos locais que um dia abrigaram telefones de discagem rotativa. As grandes telas instaladas no alto da sala estavam quebradas, e o cheiro de mofo era forte. Em alguns pontos, o carpete tinha remendos de fita adesiva amarela.

“Todo mundo sabia que aquilo não era certo - todos sabiam”, disse Sandra Tetley, a encarregada de preservação histórica no Centro Espacial Johnson. “Mas a questão não era prioridade. Somos uma organização que está sempre avançando rumo ao futuro, e por isso não havia verba para coisas como essa”.

O projeto de reforma foi iniciado a sério seis anos atrás. O aniversário de 50 anos se aproximava, e esse foi o catalisador para o reparo do controle de missão - e para fazê-lo do jeito certo. “Queríamos cumprir um padrão elevado de restauração, e conseguimos fazê-lo em tempo para o 50º aniversário”, disse Tetley.

O Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos incluiu o Centro de Controle de Missão Apollo na lista de patrimônio histórico dos Estados Unidos em 1985. Mas quando decidiram levar adiante a restauração das instalações, em 2013, Kranz, Tetley, Jim Thornton - o gerente do projeto de restauração - e outros envolvidos se viram bloqueados a cada momento. Havia questões de verba e disputas internas por território.

O Centro de Controle de Missão Apollo fica no meio de um edifício operacional no qual são tomadas decisões de vida ou morte sobre operações de voo. Tomar decisões informadas sobre atividades espaciais de astronautas fora das espaçonaves, sobre destroços capazes de ameaçar a estação espacial internacional, sobre soluções para defeitos mecânicos deixa pouca margem para erro —ou para interrupções por turistas errantes.

Por fim, o Space Center Houston, um museu espacial e complexo educacional sem fins lucrativos, assumiu a responsabilidade pelos esforços de arrecadação. A cidade de Webster, Texas, perto do centro, doou US$ 3,5 milhões dos US$ 5 milhões necessários para concluir o projeto. Uma campanha no Kickstarter e doações independentes cuidaram do restante da verba.

Como o Gabinete Oval ou a Sala de Conferências do Independence Hall, o Centro de Controle é uma sala distintamente americana - com presença tão profunda na cultura que basta dizer seu nome para conjurar uma imagem nítida na memória, como se você tivesse estado lá, ou mesmo trabalhado lá. E a restauração foi concluída de uma maneira fiel ao lugar que o centro ocupa na imaginação histórica dos americanos.

Quatro longas fileiras de consoles verde pálido ocupam a sala. Há painéis brancos no teto, e carpete bege novinho no piso. Nos consoles, luzes piscam de maneira realista, e cada um deles exibe vídeos que poderiam ter sido vistos no momento das alunissagens; outras telas mostram tabelas de números ou códigos de computação pré-históricos. Quatro gigantescos telões na porção frontal da sala mostram mapas, matrizes e percursos traçados por astronautas.

Nos consoles há objetos vistos em fotos da era Apollo. Cinzeiros e xícaras de café, grampeadores e cronômetros, canetas e lápis, fones de ouvido e telefones rotativos. Há manuais de controle de missão com oito centímetros de espessura, e cartuchos para enviar mensagens via tubo pneumático. Pastas, óculos e caixas de charutos aparecem ao lado de latas de refrigerantes RC Cola e pacotes de cigarros Winston. A sala é uma peça de museu, mas parece viva, como se os engenheiros tivessem se ausentado rapidamente para retornar em breve. Cada item é autêntico, pesquisado minuciosamente com base em fotos granulosas.

“Foi um esforço hercúleo da equipe, realizar o que realizamos na sala de controle hoje”, disse Jennifer Keys, gerente de projeto da equipe de restauração.

Placas para o teto semelhantes às originais foram recuperadas em uma cabine telefônica em outro local do Johnson Space Center. Papel de parede preservado foi descoberto por trás de um extintor de incêndio. Tudo que foi usado teve de ser compatibilizado minuciosamente, ou reproduzido com exatidão. A tinta original usada para pintar os consoles foi identificada. E os objetos do passado que os adornariam tiveram de ser localizados.

“Encontramos coisas no eBay, recebemos doações de objetos pessoais - qualquer coisa que pudéssemos arranjar. Fizemos uma gincana no Johnson Space Center para encontrar coisas como cestos de lixo, cadeiras e pastas”, disse Keys.

As equipes de controle de missão do projeto Apollo eram conhecidas por sua atenção a detalhes. Foi isso que permitiu que trouxessem de volta todos os astronautas participantes de missões. A equipe de restauração mostrou respeito idêntico pelos detalhes mais finos, e o efeito chega a ser assustador.

Da galeria de observação, é quase possível ver os engenheiros fantasmas em suas camisas brancas e gravatas pretas, falando calmamente em seus headsets sobre manobras orbitais de alto risco, e vê-los fazendo anotações e acionando os botões. As histórias transcorrem na imaginação do observador, mas o cenário está diante de seus olhos,

Christopher Craft, que criou o conceito de operações de voo da Nasa quando a agência foi formada, leva o crédito pelo projeto do controle de missão. Nada como o programa espacial havia existido até então, e não existiam modelos para determinar como isso deveria ser feito. O modelo do controle de tráfego aéreo não funcionaria, porque em um aeroporto a torre de controle tem linhas de visão abertas para tudo o que controla. Já o domínio do controle de missão, por outro lado, é abstrato: um conjunto determinado de procedimentos, em qualquer dado momento, e de problemas a serem resolvidos por uma combinação de matemática e garra.

O gênio do conceito se reflete no centro atual de controle de missões, que comanda as operações da Estação Espacial Internacional. Os computadores são menores, os monitores maiores, as mesas mais largas e as cadeiras mais confortáveis. Mas o projeto da sala é virtualmente idêntico. Cinco telas gigantes ocupam o topo da área, com dados atualizados sobre as missões e imagens obtidas em órbita. E embora o tempo da geração Apollo esteja chegando ao fim, as coisas usadas pelos operadores do controle de missão continuam a ser basicamente as mesmas.

Da galeria, isso fica bem visível. As mesas mostram xícaras de café e latas de Coca-Cola, canetas e papéis, pastas, headsets e óculos. A sala vive lotada mas é muito calma, e o que está em jogo continua a ser muito sério. E à medida que a Nasa prepara um retorno à Lua com a missão Artemis, na próxima década, haverá ainda mais coisas em jogo.

As visitas guiadas do público começarão na segunda-feira. Nesses últimos dias, Kranz visitou pela primeira vez o centro de controle de missão que acaba de ser restaurado.

“Fiquei deslumbrado”, ele disse. “Inacreditável. De repente lá está você, 50 anos mais jovem e com muita vontade de trabalhar ali. Eu queria voltar àquela sala para trabalhar”.

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