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Nova tradução de Flaubert tem beleza e magia incomparáveis

Excepcional, 'Três Contos' conta histórias de fé e morte e de como cada personagem convive com espiritualidade

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Fernando Moreira Salles

Três Contos

  • Preço R$ 44 (144 págs.)
  • Autoria Gustave Flaubert. Tradução: Milton Hatoum e Samuel Titan Jr.
  • Editora 34

“Três Contos” foi o último livro que Flaubert publicou em vida. Após um período de pouca repercussão de “A Educação Sentimental” e “Salammbô”, “Três Contos” foi saudado por Henry James e traduzido para o russo por ninguém menos que Turguêniev.

Flaubert bem que ansiava por um sucesso. Fora processado por obscenidade por causa de seu romance de 1858, “Madame Bovary”, cuja repercussão teria sido devida, em parte, ao escândalo descabido.

Os dois romances seguintes foram fracassos de crítica e vendas malgrado a temática inovadora de “A Educação Sentimental” e o orientalismo fantástico de “Salammbô”.

A fama de imoralista encontrava Flaubert em dificuldades financeiras e aguçava a sanha de seus credores. O resto era ainda mais difícil: seu relacionamento com Louise Collet ia mal e a dificuldade de dar continuidade a seu controvertido projeto sobre a estupidez pequeno-burguesa em “Bouvard e Pécuchet” o paralisava. Eram vastas as esperanças que ele transmitia a seus amigos, os irmãos Goncourt, Théophile Gautier e George Sand.

As condições não eram favoráveis, a França vivia momentos difíceis. A derrota diante dos alemães em 1870, a insatisfação popular que conduz à revolta da Comuna de Paris em 1871. Não eram condições que favorecessem ambições literárias.

Os “Três Contos” que o editor Georges Charpentier vai publicar em 1877 não têm unidade aparente. Mas ela existe:  são histórias de fé e de morte e de como cada personagem convive com sua espiritualidade. 

O primeiro conto, “Um Coração Simples”, busca inspiração na criada que o pequeno Flaubert conheceu na casa dos pais. O tom é naturalista e sentimental mas termina de forma sublime. O segundo, “A Legenda de São Julião Hospitaleiro”, volta à antiguidade e relata a lenda de um assassino involuntário que atinge a redenção e a santidade. O terceiro, “Herodíade”, é situado na antiguidade e no orientalismo fantástico que fascina o século 19 e que o autor já desenvolvera em “Salammbô”. 

Descrevê-los roubaria o privilégio do encontro do leitor com a beleza e a magia criativa incomparável do autor. Beleza de que mal se faz ideia, escreveu ele à sua amiga senhora Des Genettes ao lhe dar notícias do andamento do livro.

Registro que esse prazer só é possível graças à excepcional tradução de Milton Hatoum e Samuel Titan Jr. Fidelidade e recriação —condições raramente atingidas no ofício.

A edição cuidadosa da editora 34 contém cartas do autor e contextos biográfico e histórico. Mas só o bastante para situar o leitor.

Menciono também o benefício de uma linguagem atual, já que traduções podem envelhecer com o passar do tempo, diante da evolução da língua e seus significados movediços. Esta, acredito, envelhecerá bem. Podemos, quem sabe, nos permitir a ousadia de recomendá-la a nossos filhos.

Fernando Moreira Salles é escritor e editor

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