Descrição de chapéu Flip

Otavio foi, na verdade, um escritor, afirma Wisnik

Mesa na Casa Folha durante o evento literário relembrou obras e carreira de Otavio Frias Filho

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Paraty (RJ)

​“Quero inverter o raciocínio que costumamos fazer”, propôs o escritor e músico José Miguel Wisnik durante a mesa Jornalismo Literário – Uma Homenagem a Otavio Frias Filho, na Casa Folha, em Paraty, na manhã deste sábado (13).

Diretor de Redação da Folha por 34 anos, Otavio morreu em agosto de 2018 aos 61 anos.

Mesa "Jornalismo Literário - Uma Homenagem a Otavio Frias Filho" contou com José Miguel Wisnik, Luís Francisco Carvalho Filho e Tati Bernardi. A conversa foi mediada por Sérgio Dávila, na Casa Folha - Mathilde Missioneiro/Folhapress

“Nós vemos o jornalista que é também escritor, com seus dotes, suas qualidades. Quero exercitar uma outra perspectiva e falar de um escritor que herdou um império jornalístico”, continuou Wisnik, que também é professor de literatura brasileira da USP.

“Otavio transformou esse império em sua obra, o Projeto Folha. Mas é uma obra de um escritor que, quando escreve peças e ensaios, está contracenando com a própria condição que o destino lhe impôs.”

Além de Wisnik, participaram do debate a escritora e colunista da Folha Tati Bernardi e o advogado Luís Francisco Carvalho Filho, um dos amigos mais próximos de Otavio. A mediação ficou a cargo de Sérgio Dávila, diretor de Redação do jornal.

Para Wisnik, “Queda Livre”, editado pela Companhia das Letras em 2003, é o principal livro de Otavio. Trata-se, segundo o professor, de uma das “melhores publicações da prosa ensaística e narrativa no Brasil nos últimos tempos”.

No livro, Otavio narrou experiências como pular de paraquedas, viajar em um submarino e tomar o chá do Santo Daime. “Tudo isso não se compara a ser ator do Oficina. Tudo isso é nada!”, exclamou Wisnik para os risos do público da Casa Folha.

Sob a direção de José Celso Martinez Corrêa, o jornalista esteve na montagem de “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues, em 2000, e descreveu suas inquietudes como ator em um dos ensaios de “Queda Livre”.

No início do evento, Dávila leu um texto da curadora da Flip, Fernanda Diamant, viúva de Otavio, com quem teve duas filhas, Miranda e Emília.

“Era reservado, sério, olhar doce e modos cordiais, só na intimidade ele revelava seu humor cortante e memorável. E, na escrita, era capaz de uma sinceridade desconcertante”, escreveu Diamant. “Miranda e Emilia foram suas maiores alegrias. Gostava mesmo era de ficar em casa lendo e brincando com as meninas e encontrar os poucos amigos queridos que cultivou a vida inteira.”

Bernardi também falou sobre a relação de Otavio com as crianças e a sua dedicação à literatura infantil. Antes, porém, lembrou um inusitado elogio que recebeu do jornalista em um almoço. Ele disse que gostava dos textos da escritora “porque vêm de um lugar diferente”.

“Até hoje estou tentando entender na terapia o que ele quis dizer com isso”, ela brincou.

 

Bernardi leu trechos de publicações de Otavio, como “O Livro da 1ª Vez” e “Papai Noel, um Velhinho de Muitos Nomes”. Disse ainda que a editora Ubu vai lançar no ano que vem “Histórias para Pensar”, livro que reúne fábulas e episódios históricos que o jornalista costumava contar para as suas filhas e outras crianças nas temporadas de férias em Carneiros, praia do litoral pernambucano.

Entre essas crianças, estavam dois netos de Wisnik, como o escritor contou durante o debate. Ao voltar de uma dessas viagens, os meninos, animados, disseram ao avô: “A escola tinha que ser como era com o Otavio”.

Se Wisnik e Tati comentaram os livros do jornalista, Carvalho Filho falou sobre o que descreveu como a “não-obra de Otavio”, que lhe trouxe contratempos de ordem jurídica. “Ele nunca respondeu a um processo por coisas que tinha escrito, mas por textos publicados no jornal e não assinados”, recordou-se o advogado, também colunista da Folha.

Antes de decisão de 2009 do STF (Supremo Tribunal Federal) de declarar inconstitucional a Lei de Imprensa da ditadura militar (1967), cabia ao editor-chefe, no caso da Folha o diretor de Redação, a responsabilidade criminal pelo teor de tudo que se publicava sem indicação de autoria.

Carvalho Filho citou, então, trecho do editorial escrito por Otavio e publicado na Primeira Página do jornal em 24 de março de 1990. No dia anterior, Collor havia determinado que a Receita e a Polícia Federal invadissem o jornal, sob a alegação de uma devassa fiscal.  

“Processe-me pelo que de fato penso e afirmo em vez de se esconder sob o pretexto de duas notas inócuas, perdidas sem assinatura numa edição publicada, aliás, quando eu estava ausente, em licença profissional”, escreveu Otavio.

No final da mesa, Dávila lembrou um ensaio escrito por Otavio em 1997 sobre “Os Sertões”, cujo autor, Euclides da Cunha, é homenageado nesta edição da Flip.

Ao longo do texto, Otavio comentava os mecanismos econômicos, políticos e sociais mais arraigados no país. E concluiu: “O Brasil moderno continua montado, cem anos depois, sobre um imenso arraial de Canudos.”

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