Descrição de chapéu Artes Cênicas

Peça inédita de Otavio Frias Filho escrita em 1990 estreia para falar aos dias de hoje

'Tutankáton', com direção de Mika Lins, questiona ameaça do pensamento único

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Quase 30 anos depois de Otavio Frias Filho escrever “Tutankáton”, o pano de fundo não é mais o fim do socialismo soviético, mas a ascensão do neofascismo. Não é a queda do Muro de Berlim, mas a construção de outro pelos Estados Unidos. Não é a Aids, mas o fanatismo religioso.

E ainda assim o texto “é muito contemporâneo, é chocante, às vezes”, diz a diretora Mika Lins, que ensaia a montagem que estreia em 9 de agosto, no Sesc Avenida Paulista. “É impressionante como se achava que não era montável e como ele, na verdade, dialoga. Você não precisa forçar. O tempo todo ele fala com o que a gente está vivendo.”

Junto com a sua estreia no palco, “Tutankáton” receberá em agosto uma nova edição, pela Cobogó. Otavio, que foi diretor de Redação da Folha, morreu em 21 de agosto do ano passado, aos 61 anos.

A peça, para tratar daqueles acontecimentos históricos, recorria alegoricamente ao Egito de 1.300 a.C., que viveu uma experiência de monoteísmo. O alvo era o pensamento único, na figura do deus Aton, que substituiu todos os outros. Tutankáton é o jovem faraó que no final, com a ameaça de uma peste, restitui o politeísmo e se renomeia Tutankâmon.

“É essa mesma primazia que a gente vive hoje, a dificuldade de conviver com o pensamento divergente”, diz Lins. “É uma guerra, passar por cima das pessoas, matar. Delatar seu vizinho, torturar. Otavio pegou todas essas vilanias da contemporaneidade e pôs lá.”

Bete Coelho, que leu o papel de Tutankáton no evento público de lançamento da primeira edição em 1991, pela Iluminuras, ensaia agora a Vidente, personagem que anuncia e direciona a trama. Ela vê nesta “a peça mais atemporal de Otavio, de todas”.

Ela acaba de encerrar a temporada de “Mãe Coragem”, com indicação para melhor atriz no Prêmio Shell. “Fazendo uma comparação, porque estou com Brecht na cabeça, ele também escreveu uma peça sobre uma guerra de 1600. Mas aí você faz e parece que está falando do seu país hoje. É um negócio impressionante”, afirma.

Além do cenário político da época, pelo que se acompanhou num ensaio da peça, também ficou pelo caminho o estranhamento causado pela forma do texto —questionada então como neoclássica, parnasiana e virtualmente impossível de encenar, como citava o próprio autor em nota à primeira edição.

Era, como ele procurava explicar, “um texto não moderno numa época completamente submetida, do ponto de vista estilístico, à ditadura do espírito modernista”. Modernismo que o autor não diferenciava historicamente do socialismo soviético, como pensamento único.

Em edição posterior pela Cosac Naify, no volume “Cinco Peças e uma Farsa”, de 2013, Otavio abandonou a nota, fez mudanças na peça e nunca desistiu de vê-la encenada, algum dia. Anos antes de sua morte, já discutia com Mika Lins como seria a montagem.

A diretora lembra que divergiu dele, por exemplo, quanto à instrução de que o texto não fosse interpretado, mas declamado pelos atores. “Eu já dizia: ‘É horrível, Otavio, não vou pôr ninguém declamando em cena’. E ele: ‘Faça como você quiser’.”

O elenco é formado, em sua maioria, por atores negros, a começar do protagonista, Samuel de Assis. Fei, um juiz, é vivido por Augusto Pompeo, veterano de papéis cômicos.

Lins seguiu o mais estritamente possível o texto, que chega ao palco quase na íntegra. E resolveu outro empecilho, que o dramaturgo descrevia como sua “temática infame”, situando os personagens egípcios numa sala de museu, “que a gente vai lá e visita”, no cenário de Laura Vinci.

Trecho

Vidente - Tudo já existiu alguma vez. Um sortilégio vai trazer humanos de volta à vida, para que encenem, diante de nós, o percurso mil vezes repetido, porque não conhecem outro.

Tutankáton

  • Quando Estreia em 9 de agosto; até 1º/9
  • Onde Sesc Avenida Paulista - av. Paulista, 119, tel. (11) 3170-0800
  • Preço R$ 40; venda de ingressos a partir de 30/7
  • Classificação Livre
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.