A luta pela preservação dos territórios e da cultura de comunidades caiçaras, indígenas e quilombolas e a necessidade de mudar o conteúdo e a forma como a história dos negros é ensinada nas escolas dominou a mesa Zé Kleber —que tradicionalmente discute questões ligadas à Paraty— com Marcelo D’Salete, quadrinista e professor, e Marcela Cananea, ativista local e membro do Fórum de Comunidades Tradicionais.
D’Salete é autor dos premiados "Cumbe" e "Angola Janga", que contam a história dos negros, em especial a do Quilombo de Palmares. São quadrinhos que estão sendo adotados em algumas escolas no Brasil e em Portugal. Ele defende que é fundamental uma outra forma de se abordar aquele período, fugindo de alguns conceitos como escravidão e liberdade e pensando nas estratégias daquelas pessoas em busca de autonomia sobre suas vidas e suas resistências cotidianas.
“Existe algo muito perverso que é relacionar o negro sempre à escravidão", disse. Ele defende que é preciso ter um contraponto para ensinar as crianças uma história anterior à escravidão e de resistência. Assim como considera fundamental uma mudança na forma de ensinar.
Marcela Cananea também ressaltou a resistência cotidiana e a importância das escolas na preservação da cultura e do conhecimento dessas comunidades.
Ela contou, por exemplo, que as comunidades locais vêm escrevendo os próprios livros didáticos, além de colocar elementos da vida de cada comunidade dentro da escola. E isso faz toda a diferença.
A luta maior está em se manter no território, mas não apenas. "Não adianta um quilombo ser titulado, haver uma demarcação de terra indígena e os caiçaras terem o direito de morar na praia se a gente não consegue acesso aos direitos básicos (saúde, educação, energia) para conseguir se manter nesse território", afirmou.
Os dois debatedores traçaram paralelos entre a história de Canudos, a luta dos quilombos e a resistência das comunidades tradicionais hoje.
"Se tem algo que liga as experiências desses grupos tradicionais com as dos quilombos é a tentativa de lidar com a terra, com o espaço e com o seu trabalho de um modo próprio, criado por aquele grupo. Quando a gente vê hoje uma série de políticas que tentam excluir essa diversidade, e dizer que agora tudo pode ser vendido, é de uma ignorância atroz. É não compreender a nossa história e não compreender o conhecimento que é produzido por essas comunidades. É planificar um modelo que só beneficia um determinado grupo de pessoas que está no poder há muito tempo. E contra isso", disse D’Salete, aplaudido pelo público.
Cananea relacionou da busca da autonomia que existia em Canudos com à dos povos tradicionais de hoje. "É uma busca por autonomia, pela gestão do espaço que eles compreendem como seu território."
E citou passagem de "Os Sertões" que se conecta com a sabedoria desses povos. Quando Euclides da Cunha conta que os sertanejos colocavam pedrinhas de sal para saber se ia chover. Se no dia seguinte a pedrinha tivesse derretido era porque ia chover. As comunidades tradicionais também têm conhecimento de saber, por exemplo, quando a chuva vai chegar, quando o tempo vai virar.
"Euclides fala que o sertanejo era mestiço e forte e por três vezes venceu o Exército. Aqui também tem mestiços fortes de várias culturas que se conectam. É interessante trazer ‘Os Sertões’ para o nosso litoral, porque é a mesma luta, a mesma resistência", conclui ela.
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