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'Redes sociais são tribunal comandado por multidão sem rosto', diz Ruy Castro

Mediada por Patricia Campos Mello, mesa na Casa Folha discutiu adaptações de obras

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Paraty (RJ)

Na manhã desta sexta (12), o colunista da Folha, jornalista e escritor Ruy Castro e a escritora Heloísa Seixas, escritora e mulher de Ruy, participaram de conversa na Casa Folha em Paraty, mediada por Patricia Campos Mello, repórter do jornal.

“Sempre fui contra rede social e acho que cada vez mais há motivos para se acreditar que esse troço, que sempre chamei de rede antissocial, é um tribunal no qual não se pode se defender, você é julgado por uma multidão sem rosto”, disse Ruy ao ser perguntado por um espectador sobre o uso das tecnologias. Heloísa discordou, dizendo que toda invenção humana tem aspectos negativos e positivos.

Mesa "Um Dedo de Prosa" com Heloísa Seixas e Ruy Castro, e mediação de Patrícia Campos Mello, na Casa Folha
Mesa "Um Dedo de Prosa" com Heloísa Seixas e Ruy Castro, e mediação de Patrícia Campos Mello, na Casa Folha - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Por quase uma hora a dupla, casada há 29 anos, concordou, discordou, contou histórias da vida pessoal —como a de como se conheceram— e falaram sobre seus trabalhos, sempre fazendo o público rir e, por vezes, gargalhar. “Sedutor de multidões” é como Heloísa definiu o marido. Ela, ao menos com as pessoas que se amontoavam dentro e fora da Casa Folha para ouvi-los, não ficou atrás na sedução.

Após serem apresentados por uma amiga em comum, Ruy, na época morando em São Paulo, deu a Heloísa o exemplar de “Chega de Saudade” que levara ao Rio para presentear Tom Jobim. “Eu não queria namorar o Tom Jobim”, gracejou ele. “Quando eu li, eu pensei: ‘esse cara escreve bem, acho que vou namorar ele’”, disse ela aproveitando a deixa.

Os dois falaram sobre adaptações, para cinema, teatro e até mesmo programas de rádio, de suas obras. Ruy diz que não participa das versões. “Se você se mete em participar na adaptação do seu livro em filme ou peça de teatro, tende a querer proteger o seu personagem, a não deixar que mexam na história, que matem, que eliminem o personagem, ou que inventem personagens. É uma linguagem inteiramente diferente, então eu deixo que a pessoa tenha total liberdade e depois me convide para a estreia”, disse.

Uma das pessoas que teve essa liberdade foi sua mulher, que adaptou ao teatro dois de seus livros: “Bilac Vê Estrelas” e “Era no Tempo do Rei”. “O Ruy foi marido traído, porque ele é muito metido, muito opiniático. Ainda bem que ele tem essa ideia de não se meter mesmo. Então ele não pressionou”, contou Heloísa sobre as adaptações que fez.

 

Mas não só. Ruy, autor de biografias, nunca pode dar pitaco na obra de Heloísa, autora de ficção. “Há um acordo antigo entre nós: eu me meto em tudo o que ele faz, ele não se mete em nada do que eu faço”, brinca ela. Segundo ele, diferentemente dela, que não compartilha tema e nem sequer título de seus livros com o marido, ele solicita a ajuda dela sempre para uma leitura e conta a ela todos os seus passos nas descobertas.

“O trabalho do escritor é um trabalho solitário? É, pode ser, mas não na biografia”, disse. “Para a biografia você tem que se cercar de uma multidão, você precisa da ajuda de todo mundo. Eu nunca faço uma biografia sem ouvir pelo menos 200 pessoas que tiveram alguma associação com o personagem.”

E continua: “Eu só faço biografia de morto. Não se pode confiar em vivo. Tem que esperar que o biografado esteja morto; não só morto como bem geladinho. Não dá para fazer a biografia do João Gilberto agora, porque neste momento ele só tem qualidades, nenhum defeito, e a biografia tem que pegar os podres dos personagens.”

Para Heloísa, o Ruy escritor tem duas importantes qualidades: saber ouvir e não desistir nunca. Ela lançou o comentário após a história da escarradeira contada por ele. Por um ano, enquanto escrevia “Anjo Pornográfico”, Ruy ficou obcecado em descobrir a marca da escarradeira da redação do jornal do pai de Nelson Rodrigues.

 

“A partir do momento que você como biógrafo –também vale para o jornalista, repórter– precisa de uma informação, não pode abrir mão dela, tem de ir atrás ate descobrir. Se você abdicar dessa informação porque ela é inútil, você vai abdicar de outra, de uma terceira, de uma quarta, então melhor abrir mão logo e ir fazer outra coisa, se não você vai abrir mão do que é importante também”, disse.

Ele contou que está escrevendo, para ser lançado no fim do ano, um livro sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920, “que não precisou ser modernista porque já era moderno”, cutucou. Em "Metrópole à Beira Mar", Ruy mostrará como a cidade era até os anos 1930, única do país com mais de 1 milhão de habitantes, cosmopolita, com luz e bonde elétricos, e que tinha 25 jornais diários, 20 revistas semanais, 30 mensais. Uma cidade em que "os caricaturistas eram tão importantes quanto hoje são os comentaristas de televisão".

No fim, o público cantou a canção "Chega de Saudade" em homenagem à dupla e ao músico João Gilberto.

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